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Penas têm os pombos

Contas feitas, desde esta manhã que já ouvi a mensagem mais de 40 vezes, estou sempre a ouvi-la, oiço-a em loop, quero perceber tudo o que não dizes.
17 de maio de 2019 às 10:04
casal, nova iorque, romance, jardim, ponte, EUA
casal, nova iorque, romance, jardim, ponte, EUA

Não acredito que me fizeste isto, Rita. É impossível. Já ouvi a mensagem vinte vezes a continuo sem acreditar. Quer dizer, eu sei que não tenho outro remédio, que tudo aquilo que me dizes deve corresponder à verdade, só que não acredito porque não consigo acreditar. Não consigo imaginar-te com o Miguel, nos braços dele, ele a agarrar-te e a fazer-te tudo o que fizeste comigo durante dois anos. Dois anos Rita, não contam para nada? Andei mais de um mês atrás de ti, vieste viver comigo quase logo a seguir a te pedir namoro, sim, porque eu pedi-te namoro à antiga, lembras-te? Contigo quis fazer tudo bem, tudo diferente do que fizera com as outras por que tu eras diferente. Quis ser um homem melhor, quis mesmo, e durante o tempo que estivemos juntos, acredito que consegui.

Tu não imaginas tudo o que mudei na minha vida e como eu mesmo mudei por ti Rita, para que a nossa relação desse certo. Eu deixei de jogar futebol três vezes por semana, passei a ir só às quartas, para não te deixar sozinha, lembras-te? Eu bloqueei a Aninhas, a Andreia, a Catarina, bloqueei todas as miúdas com quem mantinha casos, não me custou nada, até foi um alívio, nem sequer é como se merecesse uma medalha, nada disso. Eu estava apaixonado por ti, imaginava o meu futuro contigo, falámos em ter filhos e escolhemos os nomes, tu deixaste de tomar a pílula e dizias que já tinhas tudo o que era preciso quando nascesse o primeiro, as tuas irmãs davam-te o carrinho, a cadeirinha, o berço, mandei pintar o quarto das tralhas de um azul muito claro à espera da concretização do nosso sonho e acreditei que num futuro próximo nos casaríamos em Sintra, na capela da casa dos teus avós. Imaginei-te de flores na cabeça e um vestido com a saia rodada, e agora recebo esta mensagem a dizer que te foste para Nova Iorque com o Miguel e que quando regressares a Lisboa já só voltas a casa para vir buscar o que falta, e eu pergunto, mas afinal o que é que te faltou para me meteres os cornos com um dos meus melhores amigos?

Agora já percebi porque é que o cabrão deixou de fazer parte da equipa de futebol, estou a tirar um curso de teatro, disse-me o palhaço. O curso de teatro era andar a comer a minha namorada e futura mulher no único serão em que eu não estava com ela. E agora tenho a certeza que, naquelas férias na Croácia o ano passado em que o Miguel levou uma namorada de ocasião, sem nome nem histórico, que passou o tempo todo a fumar charros e a dormir por todos os lados, foi só para me atirar poeira para os olhos, porque já andavas metida com ele. Dizes na mensagem que isso já dura há algum tempo, pedes desculpa por não me ter contado, tens pena que tudo tenha acabado assim, mas isso também não é verdade. Pode ser verdade a parte de andarem enrolados há que tempos, nem quero saber desde quando para não me irritar mais, mas não é verdade que tens pena, e se for, antes não tivesses, porque penas têm os pombos e os patos e eu sinto-me o maior otário do mundo.

Contas feitas, desde esta manhã que já ouvi a mensagem mais de 40 vezes, estou sempre a ouvi-la, oiço-a em loop, quero perceber tudo o que não dizes, o que ficou nas entrelinhas, quero imaginar a tua cara ao dizer aqueles frases, os cantos da boca para baixo, o tremor no lábio inferior, quero imaginar lágrimas que não oiço na tua voz, embora te sinta nervosa e hesitante. Não sei quando voltas e estou a pensar em tudo o que devo ou não fazer quando vieres cá a casa buscar as tuas coisas, mas por favor Rita, promete-me que vais pensar melhor, se calhar essa coisa com o Miguel é só um arrufo, um devaneio, como diria  a minha mãe se fosse viva, se calhar tu nem gostas assim tanto dele, ais ver que com o tempo te fartas daquela mania que ele tem dos brasões e das árvores genealógicas, o Miguel é um beto pedante e parvo, tu vais-te arrepender desta loucura Rita, vais ter saudades dos nossos fins-de- semana na Praia Grande à lareira a dizer parvoíces e a beber cerveja.

Pensa bem Rita, porque um dia tudo muda, e quando quiseres voltar para mim, eu já estou com outra qualquer que não me chateie e me não se importe que eu vá jogar futebol três vezes por semana com os meus amigos que vão partir a tromba ao Miguel assim que ele aterrar na Portela.

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