As três mulheres da vida de Clara Pinto Correia e como o amor pelas irmãs foi sempre o seu porto mais seguro
"Foram elas quem tornou possível eu continuar a viver depois de perder tudo", escreveu Clara Pinto Correia sobre as três irmãs, que ficaram ao seu lado, mesmo depois de perder quase tudo. Apesar da solidão em que vivia, na última parte da sua vida, foi o amor de Margarida, Rosário e Teresa que tantas vezes a salvou.A morte de Clara Pinto Correia, encontrada sem vida, aos 65 anos, na sua casa de Estremoz, levantou as já habituais questões sobre a solidão profunda em que tantos vivem num mundo de frenesi mediático. Segundo foi noticiado, a escritora poderia já estar morta há mais dias sem que ninguém o suspeitasse, com muitos a questionarem onde estavam, então, os amigos e a família.
A escritora, é sabido, tinha três irmãs e, perante o burburinho, um amigo, Miguel Lobo Antunes, viria esclarecer que, até ao fim da vida, Teresa, Margarida e Rosário Pinto Correia foram sempre um fator de estabilidade e de amor na vida de Clara.
"Dedicou o seu último romance publicado, 'Antares', às suas três irmãs (indigna-me o que leio nas redes sobre um suposto abandono da Clara por parte da família)", começou por escrever no Instagram, reproduzindo, depois, a dedicatória que Clara deixou às três irmãs no livro.
"Dedico estas histórias às minhas três irmãs, Rosário, Teresa e Margarida. Foram elas quem tornou possível eu continuar a viver depois de perder tudo, perante os bloqueios mais destrutivos que podem envenenar a vida intelectual portuguesa. Foram elas que me permitiram preservar intacto o meu Universo interior até ser capaz de dar dele o meu melhor aos leitores – os mesmos leitores que, com frequência, de tanto não saberem de mim já me tinham dado por morta", começou por escrever, agradecendo o facto de as irmãs nunca a terem abandonado, apoiando-a, inclusivamente, a nível financeiro, quando já pouco ou nada tinha. "Escrevi este romance ('Antares') durante os anos mais pobres, mais tristes, e certamente mais violentos e solitários, com aqueles extremos de solidão que mais cedo ou mais tarde a vida nos reserva a todos; e foi graças às minhas irmãs que tive o privilégio de poder atravessar o pesadelo que me esteve reservado e continuar a sentir-me feliz dentro do meu mundo mágico. Aquelas com quem partilho o meu sangue nunca se vangloriaram publicamente. Mas, através da generosidade com que me sustentaram, deixaram-me continuar a escrever."
Nascidas no seio de uma família de médicos - o pai, José Pinto Correia, era um conceituado gastroenterologista – Clara estudou nos melhores colégios, mas nunca viveu à sombra do poderio do clã. Desde cedo, começou a trabalhar como jornalista, desenvolvendo em paralelo a sua formação académica, que a faria tornar-se mestre em Biologia, com várias especializações tiradas nos Estados Unidos. Da família, todas as irmãs acabariam por se tornar conhecidas.
Margarida Pinto Correia é uma das mais mediáticas. Jornalista, com ampla intervenção no âmbito da ação social, viveu também um casamento mediático com Luís Represas, com quem teve os seus dois filhos. E a completar as irmãs há ainda Teresa, Geógrafa (Portugal), com Mestrado em Gestão do Ambiente (Bélgica) e Doutoramento em Ecologia da Paisagem (Dinamarca), lecionando como professora Catedrática na Universidade de Évora. E Rosário trabalha na área da Gestão e Marketing, tendo chegado, inclusivamente, a abrir um hotel no Guincho – cuja inauguração contou com a presença de várias caras conhecidas.
A dada altura, todas gozaram desse fôlego financeiro e estatuto social, sendo que, por circunstâncias várias, Clara acabaria por deixar o percurso académico, perderia as colunas em jornais e revistas e acabaria desacreditada, longe do estrelato de outros tempos, o que aconteceu sobretudo depois da exposição em que o então marido, Pedro Palma, a fotografou durante o orgasmo, o que resultou em dez imagens que tanto deram que falar. "Fiquei sem emprego, sem qualquer espécie de trabalho. Primeiro que começasse a receber o subsídio de desemprego foram quase dois anos. Nas filas da Segurança Social olhavam para mim de esguelha. A minha senhoria da casa no Penedo [perto de Colares, Sintra] pôs-me uma ordem de despejo. Há 30 anos que lhe arrendava a casa e dava-me lindamente com ela", contou à 'Sábado' sobre a dura reviravolta desses tempos.
Clara acabaria por se divorciar do terceiro marido e, com a mudança para Estremoz, ficaria como que condenada a uma maior solidão, sendo que no meio das dificuldades seriam as irmãs a manter uma espécie de base e porto seguro na sua vida.
"A minha família não só representa um dos pólos de organização da minha vida, como a considero a família ideal. Em relação a ela, sempre me senti uma pessoa privilegiada: cresci numa família bonita e de grande qualidade. Os meus pais preocuparam-se em me dar uma educação, com todos os instrumentos e mecanismos necessários para fazer de nós - eu e as minhas irmãs - pessoas conscientes e informadas sobre o que se passava à nossa volta. Isso ajudou-nos a definir padrões de qualidade elevados. Ensinaram-nos também a estar atentos às outras pessoas e a não esquecermos que não estamos sozinhos no mundo", disse à Máxima.