Conheça Tolentino Mendonça, o português que pode vir a ser o próximo Papa, que é um moderno discípulo de Francisco e amigo de figuras públicas
Conhecido como o Cardeal poeta, é apontado por muitos como sendo um dos favoritos à sucessão, até porque encara o futuro da Igreja na linha do legado que Francisco deixou. As semelhanças entre os dois já são apontadas: Tolentino também gosta de futebol (é do Benfica), tem uma cultura extraordinária e uma visão moderna em relação a temas fraturantes na Igreja como a homossexualidade e identidade de género.Quando, em 2019, Tolentino Mendonça passou a fazer parte do Colégio de Cardeais do Vaticano, já tinha deixado marca no Papa Francisco. "Tu és poesia", disse-lhe, em alusão à paixão do português - que tem várias obras publicadas - pelas palavras e mundo mágico dos livros. A partir daí, passaria a ser conhecido como o 'Cardeal Poeta', o mesmo que agora é apontado por jornais como o 'The Guardian' como um dos favoritos a suceder o Papa Francisco.
Perfeitamente integrado no Vaticano, onde reside desde 2018, Tolentino Mendonça pode reunir consenso, sendo apenas os seus 59 anos vistos como uma espécie de 'handicap', uma vez que os últimos Papas andaram todos numa faixa etária mais elevada.
Em tudo o resto, é visto como o sucessor perfeito de Francisco, acima de tudo porque não criaria uma rutura com aquilo que o argentino desenvolveu. Aberto ao mundo, o madeirense sempre se mostrou seguidista das ideias do Papa recém-falecido, enaltecendo o seu contributo para a mudança de mentalidades na Igreja. "O Papa Francisco é um milagre, um ar de Primavera espantoso. O Espírito Santo mostra-se muito através da simplicidade e profecia do Papa Francisco", disse, em conversa no podcast do Expresso 'A Beleza das Pequenas Coisas', onde, convidado a abordar temas como a homossexualidade ou questões de identidade de género, não teve medo de partilhar a sua opinião. "Sinto que a igreja precisa de crescer muito na linha do que diz o Papa Francisco numa cultura de acolhimento, há muitas pessoas que se sentem excluídas da igreja, que não se sentem acompanhadas e toda a gente tem direito a isso. A própria igreja e o espaço cristão precisam de encontrar um outro discurso e atitude em relação às pessoas homossexuais, tem de ter um olhar de acolhimento. Os homossexuais são nossos filhos, irmãos, colegas, companheiros. Todos juntos temos de fazer um caminho."
Na verdade, entre aqueles que são apontados como preferidos para suceder a Francisco, há uma divisão clara entre aqueles que pretendem devolver a Igreja ao seu Conservadorismo e os que defendem que a palavra de Francisco é para ser mantida, sendo que é neste grupo que se insere o português.
TOLENTINO, AMIGO DE VÁRIAS FIGURAS PÚBLICAS E HOMEM DAS ARTES
Mas afinal, quem é Tolentino Mendonça, o homem que pode suceder ao Papa Francisco? É, acima de tudo, um devoto à sua fé, homem das letras e das artes. Padre, poeta, escritor e professor universitário, diz que cedo sentiu o chamamento religioso, sem que na verdade o conseguisse explicar. No entanto, esta é, talvez a par com a paixão pela escrita, aquilo que melhor o define.
Com 20 obras publicadas, vive para o acolhimento da fé católica e o prazer que os livros lhe transmitem, uma paixão que lhe foi passada bem cedo pela avó que, apesar de ser analfabeta, sabia vários romances de cor e os contava nos serões da família Mendonça. "Os serões eram ocupados pela minha avó, que contava uma história, e essas histórias passavam de um dia para o outro. Era um mundo mágico, fantástico, o mundo dos contos populares. E isso ao olhar de um miúdo era o espanto em estado puro", partilhou.
Aos nove anos, ingressaria no Seminário do Funchal, iniciando os estudos de Teologia que o levariam mais tarde até Roma, que hoje considera uma segunda casa.
"A vocação religiosa esteve presente desde muito cedo, não sei de onde vem, mas sentimos um apelo que é um pouco inexplicável, mas desde cedo o religioso foi uma forma de habitar o mundo. E não vim de uma família beata, onde a prática fosse um elemento decisivo. Senti esse chamamento, e tem de haver uma entrega e um desapego total. E a vida é lutar para permanecer fiel a isso", disse, tendo cultivado a fé na mesma medida que a paixão pela escrita, ou pela música, onde se assume fã de Patti Smith ou de Leonard Cohen, até porque gosta de viver uma vida onde há espaço para tudo, inclusivamente para assistir a alguns jogos do Benfica, o seu clube do coração, a par com o Marítimo. "Nós temos ideia que a teologia é uma coisa muito sisuda, e a teologia é uma pergunta, que pode ser traduzida em linguagens muito diferentes (...) A Bíblia está cheia de humor."
Atualmente, Tolentino Mendonça vive no Vaticano, onde foi nomeado pelo papa Francisco como chefe do departamento de cultura e educação. Da ala mais liberal da Igreja, deixou marca com aqueles que se cruzou em Portugal, quer os seus alunos na Universidade Católica, quer os muitos amigos famosos, a quem se foi ligando ao longo do seu percurso como Judite Sousa, Helena Sacadura Cabral ou Assunção Cristas.
Depois das cerimónias fúnebres de Francisco, é um dos muitos cardeais que vão juntar-se ao Conclave e terão uma palavra a dizer sobre o futuro da Igreja Católica, que poderá passar por ele próprio, o primeiro português alguma vez no cargo de líder máximo da Igreja Católica.