Marie, do céu ao inferno: a solidão no regresso a casa dos pais, a revolta e as graves consequências que o 'Big Brother' pode vir a ter na sua vida
Entrou no 'Big Brother Famosos' e os portugueses apaixonaram-se pela sua ingenuidade. Abriu o coração: falou dos preconceitos de que é alvo, de como o pai é a sua fonte de proteção e da triste e afastada relação que sempre teve com a mãe. Saiu do 'reality show' e depois da euforia, volta a tristeza. A solidão da jovem da Estela, o mundo onde não se encontra e os traumas com a progenitora que não consegue ultrapassar. Em que ponto ficou depois da fama? Quintino Aires explica como este pode ter sido um jogo demasiado perigoso.
É um fenómeno no Tik Tok e quem não a conhecia através da famosa aplicação de telemóvel, teve a oportunidade de o fazer durante os meses que esteve fechada na casa do 'Big Brother Famosos'. Exuberante, Marie, de apenas 20 anos de idade, rapidamente se destacou entre os restantes concorrentes do 'reality show'. Dia após dia foi abrindo o coração sobre a história da sua vida. Chorou e fez milhares de portugueses chorarem com e por ela.
Vinda de Estela, uma pequena povoação perto da Póvoa do Varzim, Marie revelou ter, durante toda a vida, sofrido de preconceito. Falou do amor incondicional por aquele que considera o seu maior aliado de vida - o pai - e da relação que nunca construiu com a mãe. Na 'Curva da Vida' do programa, afirmou que sente que a progenitora nunca a amou. "Sinto que ela refletiu em mim o que nunca conseguiu, acho eu. Dizia que eu não era normal. Eu sei que ela nunca me aceitou como eu era. É das pessoas que mais me magoaram no meu crescimento, mas ainda assim eu amo-a", desabafou.
O mundo pôs-se do lado de Marie, cujo um dos seus maiores desejos era tornar-se conhecida. Cristina Ferreira acedeu ao seu desejo. Depois da sua participação no reality show, não havia quem não soubesse o nome da jovem que se tornou um bocadinho filha de todos os que estiveram na casa. Mas... e agora? O êxtase acabou, há outros realitys no ar e a vida começa a voltar ao seu ritmo normal. Marie voltou, finalamente, ao quarto onde sempre se refugiou de tudo e todos, onde não queria que ninguém a visse. Estaremos perante um caso parecido ao de Zé Maria que, há mais de 20 anos, saiu do 'Big Brother' e perdeu o rumo? Que consequência pode ter tido esta exposição na vida de uma jovem que ainda não se encontrou? O psicólogo Quintino Aires explica tudo.
O REGRESSO À SOLIDÃO
Marie saiu do 'Big Brother Famosos' e acreditou que tinha o mundo pela frente, cheio de oportunidades e que a popularidade lhe traria mais do que aquilo que lhe tiraria. As primeiras semanas foram, provavelmente, inesquecíveis para esta menina que vive num mundo muito próprio e que, de repente, acreditava que estava a ser compreendida.
Presenças, concertos, a proximidade de famosos, os pedidos de selfies... a popularidade que nunca havia tido. Mudou-se de malas e bagagens para Lisboa e não interessava onde dormi. Fosse numa cama ou no sofá: interessava estar na capital, no centro do mundo. "Vivi duas semanas no sofá de uma amiga e este domingo mudei-me para o sofá de um amigo. Não sou esquisita", garantia.
O pai manteve-se presente fosse por telefone ou tendo que percorrer quilómetros para ver a sua menina. A relação com a mãe não mudou. "Já falei com ela, mas também não tenho mais nada para lhe dizer. Eu sou eu. Sempre fui muito afastada dela." Mas a sensação de liberdade e estas ganas de viver foram atenuando. Dois meses depois de ter abandonado a casa mais vigiada do País, Marie viu-se obrigada a voltar para casa. O seu quarto - construído num anexo à casa dos pais - voltou a ser o fundo de pano para as suas fotografias e a tristeza tomou conta de si. "Hoje acordei de novo aqui. Tudo parece abstrato e só, inclusive a alegria de existir. Sei que é passageiro e está tudo bem", começou por desabafar. Tem sido difícil desde a saída da casa [do 'Big Brother'] perceber onde é o meu lugar, sinto quase como se não pertencesse a lado nenhum às vezes, por mais que seja apenas fruto da minha imaginação, talvez. É um processo que tem mexido mesmo muito comigo mas estou só a tentar aceitar os meus sentimentos e aprender a geri-los. Talvez seja necessário conseguir encontrar esse espaço em mim e no mundo físico para depois conseguir criar."
Mas a sensação de liberdade e estas ganas de viver foram atenuando. Dois meses depois de ter abandonado a casa mais vigiada do País, Marie viu-se obrigada a voltar para casa. O seu quarto - construído num anexo à casa dos pais - voltou a ser o fundo de pano para as suas fotografias e a tristeza tomou conta de si. "Hoje acordei de novo aqui. Tudo parece abstrato e só, inclusive a alegria de existir. Sei que é passageiro e está tudo bem", começou por desabafar. Tem sido difícil desde a saída da casa [do 'Big Brother'] perceber onde é o meu lugar, sinto quase como se não pertencesse a lado nenhum às vezes, por mais que seja apenas fruto da minha imaginação, talvez. É um processo que tem mexido mesmo muito comigo mas estou só a tentar aceitar os meus sentimentos e aprender a geri-los. Talvez seja necessário conseguir encontrar esse espaço em mim e no mundo físico para depois conseguir criar."
Quintino Aires alerta para as consequências que esta exposição pode ter na vida de Marie. "Já passou o êxtase e agora veio a ressaca. Esta participação pode ter mexido muito com ela. Ao fim de 20 anos de reality shows já devíamos ter percebido que a exposição nos destabiliza. Requer que tenhamos recursos emocionais fortes, quando eles não existem tudo isto pode ainda ser mais desgastante. É perigoso! E isso é o que acontece neste caso." "Hoje acordei de novo aqui. Tudo parece abstrato e só, inclusive a alegria de existir"Marie, após voltar a casa dos pais É aqui que Quintino Aires reforça a importância da rede familiar e o peso que tem quando uma pessoa decide entrar num formato deste género. O psicólogo afirma que é algo que falta à jovem e mesmo o que ela pensa que tem, na realidade não existe. "A Marie não tem suporte emocional. Ela acha que o pai é essa base mas eu não considero que seja. O pai é uma fonta de satisfação de vontade. Um pai que nunca diz que não, não é um suporte emocional."
"Hoje acordei de novo aqui. Tudo parece abstrato e só, inclusive a alegria de existir"Marie, após voltar a casa dos pais
É aqui que Quintino Aires reforça a importância da rede familiar e o peso que tem quando uma pessoa decide entrar num formato deste género. O psicólogo afirma que é algo que falta à jovem e mesmo o que ela pensa que tem, na realidade não existe. "A Marie não tem suporte emocional. Ela acha que o pai é essa base mas eu não considero que seja. O pai é uma fonta de satisfação de vontade. Um pai que nunca diz que não, não é um suporte emocional."
O QUARTO ONDE NÃO QUERIA VOLTAR De repente, Marie é obrigada a voltar ao quarto onde ambicionava não voltar, para a terra onde sempre a julgaram e onde nunca encontrou a felicidade. "De repente, ela volta ao anexo. Ao anexo que construiu para não estar no mesmo espaço que os pais, onde sonhava sozinha mas onde, principalmente, se isolava. Foi construído para isso." Para o psicólogo este é o fim de uma ilusão que acreditou poder tornar-se real. "É como um sonho que, de repente, acabou. A Marie esteve numa casa rodeada de pessoas que gostavam dela ou que, pelo menos, a aceitavam. Estava na televisão, que era outro dos seus grandes desejos. Tudo se realizou e agora volta para o cantinho que, mais do que nunca, ainda lhe parece pior e mais vazio."
De repente, Marie é obrigada a voltar ao quarto onde ambicionava não voltar, para a terra onde sempre a julgaram e onde nunca encontrou a felicidade. "De repente, ela volta ao anexo. Ao anexo que construiu para não estar no mesmo espaço que os pais, onde sonhava sozinha mas onde, principalmente, se isolava. Foi construído para isso."
Para o psicólogo este é o fim de uma ilusão que acreditou poder tornar-se real. "É como um sonho que, de repente, acabou. A Marie esteve numa casa rodeada de pessoas que gostavam dela ou que, pelo menos, a aceitavam. Estava na televisão, que era outro dos seus grandes desejos. Tudo se realizou e agora volta para o cantinho que, mais do que nunca, ainda lhe parece pior e mais vazio."
Quintino Aires teme pelo estado de espírito de Marie e alerta para o facto de ser preciso estar atento. "Pode entrar num processo depressivo muito profundo e pode ainda ter consequências mais graves. Consequências que é melhor nem pensar muito nelas mas que são ideias que surgem desse vazio emocional e que são opções que surgem com o avançar da idade. Muitas delas tiveram fins tristes. Há famosos que aos 27 anos - idade que se tornou "famosa" por isso - tiveram um final trágico.""Pode entrar num processo depressivo muito profundo e pode ainda ter consequências mais graves"Quintino Aires, psicólogo clínico E há uma explicação para ter sido aos 27 anos de idade que deram esse passo par ao abismo. "É uma idade em que há mais consciência das coisas. Em que o cérebro já projeta o futuro e existe o medo de perder a ilusão da felicidade." AS SEMELHANÇAS COM ZÉ MARIA Por falar em 27 anos, essa foi exatamente a idade em que Zé Maria se inscreveu no primeiro 'Big Brother' em Portugal. Não imaginava ao que ia, mas era uma oportunidade de sair de Barrancos e sonhar alto. A sua forma peculiar de ser e o seu amor pelos animais, demonstrado desde o primeiro dia, tornaram-no logo num dos candidatos a vencer. E venceu.
E há uma explicação para ter sido aos 27 anos de idade que deram esse passo par ao abismo. "É uma idade em que há mais consciência das coisas. Em que o cérebro já projeta o futuro e existe o medo de perder a ilusão da felicidade."
AS SEMELHANÇAS COM ZÉ MARIA
Por falar em 27 anos, essa foi exatamente a idade em que Zé Maria se inscreveu no primeiro 'Big Brother' em Portugal. Não imaginava ao que ia, mas era uma oportunidade de sair de Barrancos e sonhar alto. A sua forma peculiar de ser e o seu amor pelos animais, demonstrado desde o primeiro dia, tornaram-no logo num dos candidatos a vencer. E venceu.
A vida mudou... e Zé Maria mudou com ela. Não estava preparado para o que aconteceu. Tornou-se, ao fim de 120 dias fechado numa casa vigiada, uma das figuras mais mediáticas nacionais. Em 2004 tudo descambou. Em agosto tentou atirar-se da Ponte 25 de Abril, mas acabou por ser salvo por militares da Brigada de Trânsito da GNR. Dois dias depois, a 17 de agosto, foi visto a passear nu numa rua de Lisboa, e também nesse dia tentou atirar-se ao rio. Voltou a ter um anjo da guarda: agentes da PSP evitaram o pior e foi levado para o hospital Curry Cabral, em Lisboa.
Foi depois internado no Hospital Miguel Bombarda e depois foi transferido para uma clínica psiquiátrica. Desde essa altura que tem acompanhamento médico e toma medicação. Atualmente, Zé Maria é seguido pelos médicos de saúde mental do Hospital de Beja: continua sob efeito de medicamentos. O psicólogo chama a atenção para as semelhanças entre o alentejano e Marie. "Existem parecenças peculiares entre eles e nos seus perfis. Por exemplo, a ligação aos animais: o Zé Maria era conhecido pela sua proximidade às galinhas e a Marie tem a sua ovelha. Embora hoje já não se dê grande importância, quando o Zé Maria ganhou e saiu de calções, a roupa também foi tema de conversa porque não era usual. A Marie também é conhecida pela sua exuberância..."
Ou seja: "Os dois têm uma fraca integração na rede familiar. Fascinam-se com o mundo mas depois há um sentimento de ressaca e que é muito difícil de ultrapassar."