Os dramas da vida de João Rôlo. Da morte do pai no dia do funeral da mãe à luta para se impor em Portugal: "Fui recusado pela moda"
Em conversa com Duarte Siopa para a CM Rádio, o estilista passou os seus 40 anos de carreira em revista e foi com uma certa mágoa que assumiu ter tido sempre mais sucesso lá fora do que em Portugal. Ao longo do percurso, diz ter estado a um passo de ser diretor criativo da Chanel e que recebe frequentemente convites para se mudar para o Dubai. Apesar de se sentir tantas vezes posto de parte pela indústria da moda nacional, admite que o carinho que recebe dos portugueses o enche de ternura.João Rôlo é um dos grandes nomes da moda em Portugal. Aos 61 anos e a celebrar 40 de carreira, não conhece a sua vida sem estar ligada à arte e às coisas belas, algo que lhe foi incutido desde novo pela mãe. Batalhador, ainda que por vezes incompreendido, a pretexto da data marcante no seu percurso profissional, aceitou o desafio de estar à conversa com Duarte Siopa no programa da CM Rádio 'Siopa Convida' - emitido este domingo, dia 9 de novembro. Direto e sem rodeios, esmiuçou o caminho até aqui chegar, ainda que lamente que, por vezes, seja fora de portas que lhe estendam o tapete vermelho, com um reconhecimento que, por cá, teima em não chegar.
"Sou mais reconhecido fora do que dentro do País, há celebridades que têm acesso a qualquer designer no mundo e estão-me constantemente a pedir a mim, é super gratificante. Eem termos de publico, eu sou muito acarinhado, os portugueses gostam muito de mim, e isso enche-me de ternura, o afeto que as pessoas têm por mim. Depois, há toda uma outra parte, que foi a parte da moda em Portugal, que sempre fez questão de me recusar, fui pouco valorizado", admitiu em conversa com o rosto da CMTV, detalhando que não deixa de ser um contrassenso que receba convites para festas um pouco por todo o mundo e em Portugal se esqueçam sempre de o incluir na lista. "Sou convidado para festas internacionais da GQ e Vogue, cá em Portugal não recebo um convite nem sequer para assistir à ModaLisboa, tudo o que são festas de moda ninguém me convida."
Com uma longa carreira a brilhar em nome próprio, João Rôlo é conhecido por vestir frequentemente várias celebridades nacionais, como Cristina Ferreira ou a jornalista Clara de Sousa, e por um estilo muito trabalhado que encanta pelo feminismo e glamour das peças a que dá vida. Teve convites para se mudar para o Dubai, mas escolheu trabalhar em Portugal, onde poderia, no entanto, já não estar se uma das melhores propostas de trabalho que recebeu se tivesse concretizado.
"Eu tive uma pessoa que foi ao meu atelier, fez-se passar por turista e às tantas me disse: 'sabe que o seu nome é muito falado no meio da moda em Paris, pelos seus acabamentos e bordados?' E eu achei aquilo estranho, porque é sinal de que conhecia o meu trabalho. E passados meia dúzia de meses essa pessoa estava a convidar-me para uma reunião com a Chanel. Eu era para ter sido diretor criativo da Chanel, mas decidiram à ultima hora, uma pessoa de dentro, optar por um pupilo dela, senão era eu que estava lá. Estive dois anos da minha vida em negociações com a Chanel", confidencia, imaginando as voltas que a sua vida não teria dado se as negociações tivessem chegado a bom porto.
O DIA MAIS TRISTE
João Rôlo sempre foi um homem muito ligado à família, que lhe deu abertura suficiente para seguir os seus sonhos, numa altura em que o universo artístico era quase visto como uma excentricidade. Queria ser decorador, mas como o curso era muito teórico desinteressou-se e a paixão pela moda começou a falar mais alto. Algo com o qual cresceu, quando ia com a mãe às retrosarias e lojas da baixa onde já se destacava por saber fazer as próprias escolhas.
Com a mãe, mantinha esta relação forte e umbilical, o que fez com que a sua partida o deixasse mergulhado numa tristeza profunda, especialmente por uma sequência de acontecimentos trágica.
"Eu tenho uma vertente espiritual muito forte e eu estava preparado (quando a mãe faleceu). Fiquei até de certa forma descansado porque a minha mãe estava numa fase em que ia começar a entrar em sofrimento. Estava com princípio de demência, já não articulava palavras nem conseguia alimentar-se e iam entubá-la, e já não chegou a essa fase. Partiu com um sorriso", disse, acrescentando que aquilo que não estava preparado era para que o pai morresse no dia do funeral.
"Nós fomos lá no dia à noite dar-lhe a notícia e eu vi o meu pai a cair completamente", diz, não tendo dúvidas de que o pai morreu de amor.
"Ele não quis ir ao velório porque estava constipado e podia ficar pior, no dia do funeral também não quis ir. E quando chegámos a casa, estivemos a almoçar e a seguir ao almoço ele disse que ia descansar. E quando foi para o quarto, ao sentar-se em cima da cama, para se deitar, sentiu as pernas a falharem-lhe. Chamou-se a ambulância e quando ele estava a sair disse: 'eu já não vou voltar'. E no caminho já teve que o INEM intercetar a ambulância para fazer primeiros socorros."
Um dia dramático para João Rôlo e para o irmão, que de repente ficaram órfãos de pai e mãe. "Agarrei-me ao trabalho", admite o estilista, que assegura continuar a sentir a presença da mãe na sua vida.
"No dia em que a minha mãe faleceu, saí do hospital e quando vou a entrar no meu carro, era um cheiro a flores tão forte, tão forte que parecia que estava a entrar numa estufa de flores. E eu disse: 'isto é um sinal de que a minha mãe vai partir'. Sinto várias vezes esse cheiro e sei que é um sinal."