‘Por tua Imensa Saudade’: Rodrigo Leão e Pedro Oliveira recordam os Sétima Legião 40 anos depois da sua formação. E deixam em aberto um regresso…
Formados por três amigos do Bairro das Estacas, os Sétima Legião foram um dos mais singulares projetos da música portuguesa. Começaram a tocar num terraço e acabaram a conquistar o país. Para memória futura deixaram temas como ‘Sete Mares’, ‘Noutro Lugar’, ‘Por Quem Não Esqueci’ ou ‘Por tua Imensa Saudade’, que ainda hoje continuam a conquistar gerações. O pretexto para uma conversa com dois dos fundadores.Quem mora ali para os lados de Alvalade, em Lisboa, ainda é capaz de se recordar da "chinfrineira" que vinha de um terraço no cruzamento da Av. da Roma com a Av. EUA, causada por um grupo de amigos do Bairro das Estacas que, no inicio dos anos 80, influenciados por New Order, Joy Division ou Echo & the Bunnymen, sonhava em ter uma banda de rock. "Os vizinhos indignavam-se com toda a razão", começa por reconhecer Pedro Oliveira, a voz dos Sétima Legião que lembra que "os ensaios já eram conhecidos na zona porque se ouviam num raio de muitos quilómetros". O terraço era o da casa do baterista Nuno Cruz, outro dos elementos fundadores do grupo. O terceiro era Rodrigo Leão, em casa do qual tudo tinha começado uns tempos antes. "Os nossos primeiros ensaios foram precisamente em casa dos meus pais, tinha eu 14 ou 15 anos" recorda. "Mas eu já levava as coisas muito a sério. Ligava para o Pedro e dizia-lhe só: "Amanhã às três horas aqui em casa".
NOTA: Esta reportagem foi publicada originalmente em maio de 2022
Formados em 1982, os Sétima Legião completam 40 anos sobre a sua formação. Em 2012 ainda se juntaram para realizar vários concertos de comemoração dos 30 anos (chegaram a tocar na Casa da Música no Porto e no Coliseu dos Recreios, em Lisboa), mas a morte de outro dos elementos da banda, Ricardo Camacho, em Julho de 2018, inviabiliza agora qualquer reunião. "A morte dele abalou-nos muito. Se fosse vivo provavelmente faríamos alguma coisa este ano ou no próximo", desabafa Pedro Oliveira. "Mas há sempre a possibilidade de um dia nos juntarmos para fazer alguma coisa". Antes de partir, "o Ricardo deixou algumas coisas feitas às quais gostávamos de dar seguimento. Não digo gravar um disco inteiro, mas pelo menos fazermos algumas canções. Mas ainda não há nada de concreto", revela, a propósito, Rodrigo Leão.
Com o nome inspirado na Legião Romana que César enviou à Lusitana, os Sétima Legião começaram a gravar as primeiras ideias num simples gravador de cassetes doméstico tão comum nos anos 80. A sonoridade ainda não era a melhor, mas as intenções estavam já muito bem definidas. "Tocávamos muito mal é verdade, mas não estávamos muito preocupados com isso, nem com a técnica. Nem tão pouco estávamos interessados em tocar versões de outras bandas como os Beatles ou os Rolling Stones, à semelhança do que faziam outros grupos. A nossa grande preocupação era desenvolver ideias próprias, ainda que com as limitações que tínhamos", diz Rodrigo Leão lembrando uma altura em que nem sequer era fácil comprar instrumentos, considerados quase artigos de luxo. "O meu primeiro baixo da marca Eco, custou cerca de vinte contos e obrigou-me a pedir dinheiro emprestado e a pagar a prestações". Já Pedro Oliveira recorda que teve a sorte de ter uns "primos que eram diplomatas nos EUA" e que lhe conseguiram comprar "uma guitarra por um valor dez vezes abaixo do que se vendia em Portugal".
Ora, foi precisamente com uma gravação feita em casa, então com letra em inglês da autoria de Francisco Menezes, que entretanto se juntara ao grupo, que os Sétima Legião se apresentaram no concurso Grande Noite do Rock, no Pavilhão do Sporting logo em 1982. "O Rodrigo era a pessoa que puxava a carroça e um dia lá enviou uma cassete para o concurso. Eu, que nem acreditava que pudéssemos ser selecionados, de repente dei por nós num concurso de música", conta Pedro Oliveira então "um miúdo de 16 anos" que quando entrou em palco quase "petrificava de medo" com um Pavilhão "a rebentar pelas costuras". A noite seria ganha pelos Jarojupe, com "os Sétima Legião a ficarem em segundo lugar e a virem de lá com uma medalha" lembra Rodrigo Leão, mas o mais importante estava feito: o grupo tinha-se mostrado pela primeira vez em público. Depois disso começaram a fazer o circuito de bares, especialmente na zona do Bairro Alto, motivando ali o nascimento de uma onda de culto à sua volta.
Logo no inicio de 1983 os Sétima Legião chamaram a atenção de recém-formada editora Fundação Atlântica, de Miguel Esteve Cardoso, Pedro Ayres Magalhães e Ricardo Camacho que os contrata e os convence a começar a cantar em português. É então que entram pela primeira vez nos estúdios da Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos, na altura um dos melhores da Europa, para gravarem o primeiro single, ‘Glória’ aquele que viria a transformar-se no primeiro cartão de visita da banda. "Aquele primeiro contacto com o estúdio foi inesquecível. Era um estúdio caro e tivemos que levar as coisas bem preparadas. Levávamos o nosso almoço de casa, em lancheiras, para não termos que gastar dinheiro nenhum. Foi a primeira vez que vi um piano acústico à minha frente e à hora de almoço ficava a tocar nele", lembra Rodrigo Leão.
Numa altura em que o novo movimento do rock português fervilhava (à cabeça estavam Rui Veloso, Xutos & Pontapés ou UHF), os Sétima Legião despertavam a curiosidade por uma sonoridade distinta, personalizada e única na música portuguesa, da qual se destacava, por exemplo, a gaita de foles de Paulo Marinho. "Esse instrumento surgiu por acaso. O Paulo, que era nosso amigo de infância do bairro, estava um dia a tocar e decidimos convidá-lo porque achámos que aquela sonoridade podia acrescentar algo às nossas ideias. Mas se tivesse aparecido com outro instrumento qualquer, também teria entrado para o grupo", recorda Rodrigo Leão que lembra que o projeto chegou a contar com violoncelo, adufe e mais tarde com o acordeão de Gabriel Gomes. A determinada altura, os Sétima Legião, que tinham começado com três elementos, já juntavam, nas suas fileiras, um total de oito músicos.
Estrearam-se com o primeiro disco em 1984 com o álbum ‘A Um Deus Desconhecido’, mas seria três anos depois com ‘Mar d’Outubro’ que os Sétima Legião conquistariam o grande publico em definitivo. Nesse disco estavam, por exemplo, os temas ‘Noutro Lugar’, ‘Saudades’ ou ‘Sete Mares’, canção preferida de Pedro Oliveira, por uma razão especial. "Começamos a gravar esse tema talvez em Março de 87, mas eu não estava especialmente feliz a cantar. Aliás, sempre tive muitas dificuldades em cantar, porque não era muito afinado", confessa. "Só que entretanto interrompemos o estúdio, voltámos uns meses depois e houve ali qualquer coisa que se passou comigo porque eu comecei a cantar sem qualquer complexo". À conta desse disco arrancaram então para "cinco anos loucos sem parar", em que, segundo Rodrigo Leão, o grupo chegou a dar "50 a 60 concertos por ano." Tocaram em todos os locais possíveis e imaginários e é dessa fase que vêm as histórias mais "bizarras" de palco e estrada, isto quando ligar Portalegre a Mirandela, por exemplo, ainda "demorava oito horas" e as viagens tinham de ser feitas em "carrinhas muito desconfortáveis", dizem. "Tocámos em locais inacreditáveis. Alguns concertos, chamávamos-lhes 'concertos em curva', porque os palcos eram montados numa rotunda ou numa curva de uma rua pequena numa aldeia ou vila qualquer", contam. "Uma vez tivemos um concerto para o norte numa localidade da qual já não me recordo do nome. Só que havia outra localidade com o mesmo nome a 200 quilómetros de distância. E metade do grupo foi para um lado e a outra metade para o outro". Já Pedro Oliveira recorda "um concerto num pavilhão que tinha uma viga da estrutura mesmo no centro do palco". Foi por essa altura que abriram também para o concerto de Lloyd Cole no Dramático de Cascais, em 1987. "Acho que foi nesse concerto que percebi que tínhamos passado de uma banda de culto, para uma banda popular. Quando começámos a tocar as pessoas sabiam as letras todas e eu fiquei estupefacto. Estávamos transformados numa banda de massas".
Durante os anos em que estiveram no ativo, os Sétima Legião lançaram cinco discos de originais, o último dos quais ‘Auto da Fé’ em 1984. Por vicissitudes várias e outros projetos, todos os seus elementos acabaram por seguir por outros caminhos, mas nunca assumiriam oficialmente o final da banda. Nunca deixaram também de manter o "contacto e muito menos a amizade", garante Rodrigo Leão e, pontualmente, ao longo, dos anos foram-se juntando para concertos pontuais e alguns quase por graça. "A última vez que tocámos foi há uns três anos no liceu Passos Manuel, onde os meus filhos estudaram e onde a Sétima Legião tocou numa festa de fim de ano letivo", diz o músico. Hoje, de uma forma ou de outra continuam todos ligados à música, sendo Rodrigo Leão aquele que tem o seu nome mas visível graças à sua carreira a solo.
Pedro Oliveira abraçou em definitivo o curso de direito que ainda tirou durante os tempos áureos dos Sétima Legião ("ainda hoje não sei como consegui conciliar as coisas", diz) e está dedicado aos direitos de autor; Nuno Cruz tem uma sala de ensaios onde toca frequente com amigos; Paulo Marinho é professor e toca com os Gaiteiros de Lisboa; Paulo Abelho continua ligado à produção musical e faz sonoplastia para cinema; Gabriel Gomes acompanha frequentemente ao vivo espetáculos de Tim e Jorge Palma e Francisco Menezes é embaixador na Alemanha, mas continua a escrever e a compor.