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A dor que a mãe das gémeas não cala. Daniela Martins quebra silêncio: "Para nós, essa história não é uma notícia bombástica, é a vida da nossa família"

Empresária luso-brasileira fala sobre processo doloroso que culminou com o escrutínio da forma como as filhas tiveram acesso ao medicamento mais caro do mundo na Comissão Parlamentar de Inquérito. Magoada com a exposição das filhas e o impacto que tudo teve na vida da sua família, Daniela não deixa nada por dizer.
Rute Lourenço
Rute Lourenço
18 de janeiro de 2025 às 21:27
Daniela Martins
Daniela Martins Foto: Medialivre

Há mais de um ano que a vida de Daniela Martins como ela a conhecia ruiu. De uma simples mãe, que cuida de duas crianças com necessidades especiais, a empresária viu o seu nome em todos os noticiários, o rosto das filhas exposto em praça pública e, com o mediatismo, exposto com a averiguação de que teria "usado o pistolão" para que as filhas tivessem acesso ao medicamento mais caro do mundo para tratar a doença degenerativa de que sofrem, Atrofia Muscular Espinhal, veio também uma onda de ódio e especulações que ainda hoje a mãe das meninas não consegue esquecer.

Em entrevista à revista TV Guia desta semana, a luso-brasileira quebrou o silêncio sobre o processo, que continua a ser analisado na Comissão Parlamentar de Inquérito, e admite que ainda continua a sofrer com as repercussões de um processo duro, que a mudou. "Este último ano foi extremamente desafiador e doloroso para mim. Ter duas crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME) já é muita coisa e ainda teve toda essa confusão mediática. No ano passado, vim ao Brasil para realizar um intensivo de fisioterapia respiratória, um cuidado para que elas pudessem entrar na pré-escola em Portugal com menos risco de infeção, tudo foi feito com o consentimento da equipa médica. De repente, vi-me impedida de voltar para a minha casa, enfrentando uma exposição mediática avassaladora e injusta. Tanta informação mentirosa foi espalhada com o propósito de ganhar audiência ou até votos que tornou esse ano ainda mais difícil. Hoje, ainda estou a morar na casa da minha tia e graças a Deus tenho o apoio da minha família, mas falar sobre isso ainda dói muito, até mesmo porque ainda não acabou e as cicatrizes serão eternas para nós", refere Daniela.

Sem deixar de assumir a sua culpa, Daniela Martins diz que se deixou envaidecer pelo facto de o Presidente da República poder ter-se interessado pela história das filhas, acabando por cair numa 'armadilha' que lhe trouxe "mais problemas do que soluções". "Preciso assumir o meu erro, essa exposição começou com uma entrevista em que mencionei o 'pistolão', uma expressão que na altura nem sequer conhecia, mas um repórter com a câmara escondida me induziu. Ouvi por tantas vezes no hospital que estávamos ali por causa do presidente, que as minhas filhas eram as meninas do presidente, que acabei por acreditar e me senti envaidecida com a ideia de que alguém tão importante pudesse ter-se preocupado com as minhas filhas. Hoje, olhando para trás e conhecendo mais a fundo os bastidores do que aconteceu no hospital, vi claramente que isso nos trouxe mais problemas do que soluções. Percebi que esses comentários que eu acreditava serem verdade e positivos, na verdade eram em tom pejorativo e irónicos, quando se referiam como 'as brasileiras' tinha um tom depreciativo. Reconheço que errei ao dar crédito a essas falas, ao acreditar que havia algo de especial por detrás do tratamento delas e aprendi da pior maneira."

"Ouvi por tantas vezes no hospital que estávamos ali por causa do presidente, que as minhas filhas eram as meninas do presidente, que acabei por acreditar e me senti envaidecida com a ideia de que alguém tão importante pudesse ter-se preocupado com as minhas filhas"

Triste com a onda de ódio de que foi alvo, Daniela admite que teve receio de ser hostilizada quando esteve em Portugal, mas que não ficou magoada por um país que também é a sua pátria, esperando um dia poder regressar à sua casa, que por agora está arrendada.

"Quero que o processo termine, mas não me traz grande alívio, pois o estrago já está feito. Por mais que já esteja provado que as minhas filhas são portuguesas legítimas e que tudo foi feito dentro do prazo e legal, que nunca passaram à frente de nenhuma outra criança, que nunca tiveram qualquer privilégio nos produtos de apoio, que não estávamos a fazer turismo de saúde, até porque já era empresária em Portugal mesmo antes de ser mãe das meninas, essa foi a narrativa mentirosa que o povo português assimilou e não tenho muito o que fazer para mudar isso. Para nós, essa história não é uma notícia bombástica, é a vida da nossa família."

Em conversa com a TV Guia, Daniela lamentou ainda o facto de que nem toda a verdade tenha sido contada, como o facto de o medicamento que as gémeas receberem não poder ser comprado pela via privada, e garante que continua sem se discutir o que realmente interessa: o preço absurdo da medicação para as doenças raras.

"Quando as minhas filhas precisaram de tratamento, recorreram ao SNS, não por privilégio, mas porque era o que lhes era direito como cidadãs. No entanto, desde então, elas foram transformadas em símbolos de uma narrativa cruel e xenófoba: 'o turismo de saúde'. É deprimente e absurdo que as minhas gémeas sejam usadas para alimentar discursos de ódio. Em seu depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), o médico António Levy Gomes chamou-lhes pejorativamente de 'brasileiras' , ignorando o facto de serem também cidadãs portuguesas. Já ouvi nos depoimentos as versões contraditórias vindas dos três médicos envolvidos no caso. Nem sequer há um consenso sobre a marcação da consulta. Mas uma coisa parece certa: a verdade não interessa (...) O que aconteceu com as minhas filhas não foi 'turismo de saúde'. Foi um exemplo de como o SNS deveria funcionar para todo o cidadão português: salvar vidas quando necessário", escreveu, revelando uma verdade sobre a qual pouco se fala: o facto de o medicamento a que as filhas tiveram acesso não poder ser adquirido por via privada.

"O que aconteceu com as minhas filhas não foi 'turismo de saúde'. Foi um exemplo de como o SNS deveria funcionar para todo o cidadão português: salvar vidas quando necessário"

"Pergunto: o que querem provar? Que as vidas das minhas filhas valem menos por terem também nacionalidade brasileira? Que eu, como mãe portuguesa, trabalhadora e contribuinte não tinha os mesmos direitos de quem nasceu cá? Sei que o Zolgensma é um medicamento absurdamente caro, mas o que ninguém menciona é que, com ou sem dinheiro, ele não poderia ser adquirido de forma privada fora do SNS. É um tratamento que só é acessível através do sistema público de saúde. Se médicos ou deputados acreditam que os medicamentos de alto custo não devem ser administrados, que a lei atual não funciona, então que tenham a coragem de a mudar; precifiquem a vida!"

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