
O discurso foi dito dito à laia de piada, mas não deixou de simbolizar a forte amizade que une Ricardo Araújo Pereira a Joana Marques. Em setembro do ano passado, quando o humorista subia ao palco do Coliseu para receber o Globo de Ouro que lhe tinha sido atribuído, presenteava-o àquela que há muito já tinha deixado de ser uma mera colega de profissão. "Esta é a categoria da Joana, que é a demonstração prática da particularidade desta categoria, que é a única em que dos nomeados pode ser processado por fazer o seu trabalho. Não acontece nas outras. Uma pessoa não gosta de uma canção, não processo o cantor. Acha que vestido é esquisito, não põe o estilista em tribunal. Mas no caso da Joana, ela está a ser processada porque fez uma piada que terá causado estrago de milhão de euros", disse, referindo-se já então ao processo movido pelos Anjos, pelo facto de a humorista ter brincado com uma atuação da dupla ao cantar o hino de Portugal numa prova de Moto GP.
"Ora, se a gente desse à Joana um pau e a deixasse à solta meia hora no Palácio da Ajuda, ela não causava um estrago no valor de um milhão de euros. Mas aparentemente conseguiu fazê-lhe com uma piada - piada muito malvada. E, portanto, tenho muita vontade de lhe dar isto."
Apesar de serem mais dado ao riso do que às lágrimas, os vídeos partilhados na altura revelaram um brilhozinho no olhar de Joana, que reagiria mais tarde às palavras do humorista, conhecido por RAP: "Melhor do que um Globo, é ter um amigo de oiro."
A partir daí, Ricardo Araújo Pereira acabaria por se tornar numa das vozes mais ativas na defesa da amiga e colega, por quem testemunhou esta segunda-feira, dia 30, em tribunal. Ele, que já foi alvo de uma queixa-crime por alegada “ofensa à honra do Presidente da República” e “ultraje de símbolos nacionais”, por ter feito a uma paródia ao momento em que Marcelo Rebelo de Sousa comentava o decote de uma jovem, numa interação com duas emigrantes portuguesas no Canadá, sabe bem como o humor vive dias difíceis com as tentativas de impor restrições à sua liberdade, mas mais do que hastear uma bandeira em defesa da classe, quem o conhece sabe que este foi um genuíno gesto de apreço em relação a uma pessoa com quem trabalha há vários anos e que acabaria por se tornar numa amiga.
Os dois ter-se-ão conhecido no meio humorístico e o facto de terem 'cabeças parecidas' levou Araújo Pereira a querer contar com Joana na equipa criativa do seu programa da SIC 'Isto é Gozar com quem Trabalha', em 2020. Mas se neste formato da SIC, a humorista ficaria como que na sombra dos guiões, ao mesmo tempo, o programa 'Extremamente Desagradável' que desenvolvia na rádio começava a atingir um boom sem precedentes.
E se num meio em que, a dada altura, os egos se podem agigantar, teria sido fácil haver algum motivo de atrito entre os dois, tal nunca aconteceu e, perante o sucesso cada vez mais crescente de Joana, a única coisa que Ricardo fez foi estender-lhe a passadeira vermelha. “Neste momento estou fascinado com o fenómeno protagonizado pela minha amiga e camarada de trabalho Joana Marques, com o seu sucesso fulgurante, que é completamente merecido. Ela faz parte da minha equipa, trabalhamos juntos e tem um sucesso fulgurante merecidíssimo", disse em 2023, num apoio que mantém até aos dias de hoje, alavancado na amizade e no facto de terem interesses comuns - à exceção, claro, do futebol, onde são ferrenhos de clubes rivais: Joana do FC Porto e RAP do Benfica.
Ricardo é talvez um dos humoristas que melhor conhecem Joana e, convidado a traçar recentemente, o seu perfil, destacou algo que a agora a deixa exposta em tribunal, a predileção por esmiuçar a vaidade, especialmente se falarmos de figuras altamente mediáticas.
"Acredito que rir dos homens e dos deuses é um passatempo muito saudável, e a Joana tem uma especial predilecção pelos mais ridículos de todos: os homens que julgam ser deuses. A grande obsessão humorística da Joana é a vaidade. Mas é difícil não reparar que, sempre que ela ri de um vaidoso, está em primeiro lugar a rir de si própria. Não porque ela seja particularmente vaidosa — embora essa seja uma característica humana que, mais uma vez, todos temos —, mas porque nem de uma vaidade digna desse nome é capaz", escreveu sobre a colega, que admite ter a humildade de, no final do dia, lançar o mesmo olhar satírico que dedica aos outros sobre si própria.
"Continuo a preferir aqueles que, como a Joana, admitem a sua ruindade. O público, felizmente, também. A Joana trabalha com o único objectivo de nos mostrar que é a mais reles, a mais infantil, a mais irresponsável, a pior. É por isso que é a melhor."