Decorreu esta terça-feira, 17 de junho, a primeira audiência do processo movido pelos Anjos contra Joana Marques, em que os cantores alegam que, face a uma piada que a humorista fez, há três anos, perderam contratos publicitários, foram vítimas de bullying, ondas de ódio num mal-estar que, contas feitas, rondará o valor de 1 milhão de euros, a indemnização que pedem na Justiça.
Ora, num mundo em que notícias, piadas e tendências têm agora um prazo de validade demasiado curto, muitos terão sentido necessidade de voltar atrás no tempo para pesquisar qual foi, afinal, a piada que causou tanto transtorno à dupla de artistas e cujo mal-estar alegam persistir até aos dias de hoje. Trata-se de um vídeo em que os irmãos atuam no Autódromo do Algarve, numa interpretação do Hino de Portugal, sendo que a humorista replicou o momento com alguns montagens pelo meio e, perante alguma desafinação dos cantores, brincou: "Será que foi para isto que se fez o 25 de Abril?"
Provavelmente, à época, a maioria riu-se e virou a página, sem dedicar mais do que uma breve atenção ao vídeo. Não fosse a polémica gerada, a piada nem estaria no top das mais bem sucedidas de Joana Marques, no entanto levou a que o assunto fosse debatido em tribunal, no Palácio da Justiça, em Lisboa, onde, na primeira sessão, os Anjos foram ouvidos durante horas.
Perante a juíza, Nelson Rosado disse que entre "ondas de ódio" e ameaças, os dois foram “obrigados a contratar segurança privada para estar à paisana no meio do público” durante os concertos. Ambos pretendiam que a ré apagasse o vídeo das redes sociais, admitindo que o caso teria ficado "facilmente resolvido". “Eu entendo que seja complicado agora apagar o post com muitas visualizações”, começa por dizer. “Mas convidavam-nos para ir ao programa da manhã, brincávamos com a situação e era facilmente resolvido”, disse, em alusão ao 'Extremamente Desagradável', na Renascença.
O caso colocou em cima da mesa uma série de questões, sendo que a mais premente prende-se com as fronteiras dos limites do humor num país onde se cultiva a liberdade de expressão. Nelson Rosado acredita que "para se fazer bom humor não é preciso falar mal de ninguém”. "Defendo a liberdade de expressão, mas não posso prejudicar ninguém", reforçou. Mas não será isso um contra-senso, uma vez que nem todos achamos graça às mesmas coisas? Que o que tem piada para uns não o tem para outros? E que um sketch humorístico é suposto ser encarado com a brincadeira associada e com leveza...
A dada altura, a juíza questionaria como é que uma “mera publicação de conteúdo humorístico” continuava a produzir “efeitos nefastos” até aos dias de hoje? Ao que Nelson Rosado alavancou a resposta no facto de Joana Marques ser uma das mulheres mais influentes do País. Sobre os limites da liberdade de expressão, Nelson Rosado destacaria ainda que a fronteira entre a liberdade de expressão estará no momento em que esta "causa dano", enquanto o irmão levaria esses limites para um campo mais pessoal. “Enquanto me fizer rir é o humor perfeito”.
Joana assistiu a tudo e ia tirando notas, sendo que, à entrada do tribunal, mostrava-se tranquila perante aos jornalista, a quem falou com a habitual pitada de humor. "Antes de mais, lamento estar aqui a fazer-vos perder o vosso tempo, acho que estamos a perder tempo útil. O meu não é especialmente valioso e por isso não me importo nada de estar aqui estes dois dias. O tempo do tribunal se calhar podia ser um bocadinho mais bem aproveitado para outras questões, mas tudo bem. Fui convidada e cá estou", disse, acrescentando nunca ter havido uma tentativa de acordo por parte dos Anjos, mas sim o desejo que o vídeo de humor fosse eliminado. "Nunca existiu uma tentativa de conciliação. O pedido foi sempre o mesmo, o de retirar o vídeo e pronto. Nunca houve propriamente uma tentativa de acordo porque o pedido foi sempre o mesmo, nunca se alterou nada a meio."
OS INIMIGOS E OS ALIADOS
Provavelmente os Anjos não teriam avançado para tribunal se a autora da piada não fosse Joana Marques. Entre os muitos que gostam, e os outros tantos que odeiam, Joana Marques tornou-se num nome incontornável do humor em Portugal e a sua influência, aos dias de hoje, é real.
Desde que a notícia foi tornada pública que as partes se dividiram em torno do caso: de um lado, aqueles que, a dada altura, também já foram vítimas do humor de Joana e não o conseguiram encaixar, do outro os colegas e aqueles que defendem que é perigoso estabelecer limites e impor regras quando se fala de liberdade de expressão.
"Há duas ou três coisas divertidas sobre esse julgamento. A primeira é as pessoas acharem que o processo dos Anjos e o pedido de mais de 1,1 milhões de euros de indemnização tem a ver com um episódio do 'Extremamente Desagradável'. Há pessoas que andam à procura de um episódio e não existe", começou por dizer Ricardo Araújo Pereira, que conhece bem a humorista, explicando, de seguida: "É na verdade um vídeo que ela fez para pôr no seu Instagram, vídeo esse que tem um minuto, que produz um estrago no valor de 1,1 milhões de euros".
"Não foi a Joana que se lembrou daquilo. Primeiro aconteceu a polémica e depois o vídeo da Joana. Eles foram convidados para cantar no Moto GP e a Joana não estava a acompanhar, ela não gosta assim tanto de motas. Ela apercebeu-se que havia esse caso precisamente porque começou a circular um vídeo deles a cantarem. Vídeo esse que, é curioso, os próprios Anjos se referem a eles dizendo numa entrevista que quando viram esse vídeo a circular, sentiram vergonha alheia, porque realmente dá uma má imagem", fez notar.
A ação judicial dos Anjos acabaria, no entanto, por ser aplaudida nos bastidores por uma série de outras figuras públicas que não escondem a antipatia em relação à comediante. Um deles foi, precisamente, Rui Sinel de Cordes. O eterno inimigo da humorista, que se refere a Joana como a "anã da rádio", não poupa nos ataques e, depois de a colega ter brincado com excertos da sua biografia, atirou-se ao ar, lembrando que as piadas podem não ter assim tanta graça quando os visados somos nós, mesmo que sejamos humoristas.
"É uma agressora com complexo de vítima", começou por atacar, acrescentando: "O que ela faz é adulteração e manipulação do discurso para causar dano na imagem pública. É crime e incentiva outros crimes, como crimes de ódio", começou por dizer, acrescentando: "Uma das exceções à liberdade de expressão é a calúnia".
Muitos acusam-no, no entanto, de ter duas bitolas e de ser mais brando em relação aos limites do seu próprio humor. Na memória de algumas pessoas está ainda o espetáculo em que Rui Sinel de Cordes, embriagado, insultou sem contemplações uma espectadora.
"Cala-te, sua p*** do c******!", "És uma vaca", "devias morrer de cancro", "és uma ordinária", e "eu mesmo te matava por me interromperes, se não fosse o espetáculo do Vilão", atirou, num momento que geraria enorme polémica.
De entre o leque de inimigos famosos de Joana fazem ainda parte Rita Pereira, Gustavo Santos ou Luana Piovani. Já Cristina Ferreira, que devido ao seu mediatismo se tornou num dos alvos mais frequentes da humorista, mostra ter mais 'fair play' e até já partilhou alguns dos episódios nos quais é visada.
As duas já estiveram lado a lado em estúdio, onde a apresentadora acabaria por questionar se, afinal, a humorista não se alimentaria um pouco do mal dos outros. A resposta de Joana redundou naquilo que para muitos é óbvio: o que faz não é pessoal: é trabalho, é humor, são só piadas... "Não tenho nada contra as pessoas de quem eu falo, muitas vezes nem as conheço", disse, alertando noutra ocasião que as figuras públicas querem, muitas vezes, o melhor de dois mundo: os privilégios de uma vida de glamour, mas sem estarem sujeitas ao escrutínio e às diferentes opiniões.