
Na sua página de Facebook, a mãe de Rúben Amorim conta a história à laia de graça, numa altura em que já passaram quase 40 anos e esses momentos difíceis são apenas uma doce recordação. O agora treinador do Manchester United, conta, deu-lhe mais trabalho para nascer do que aconteceria durante toda a sua juventude e adoescência. "Depois de quatro meses de internamento, resolveste nascer um mês antes, muita pressa. Sempre um bom menino e agora um grande homem", escreveu Anabela Francisco num dos últimos aniversários de Rúben Amorim, que parte agora à conquista de um dos gigantes da Europa.
É uma mãe terra a terra, que se orgulha de ver o nome do filho nos sites de todo o mundo, mas que põe a preocupação maternal acima de qualquer desejo de fama e glória. Quando Rúben foi treinar o Sporting, por exemplo, não achou grande ideia, anteviu os piores cenárioos. "Umas das coisas que mais me assustou foi ele ter ido para o Sporting, foi ter sido muito contestado, não tinha o curso, custou 10 milhões, benfiquista assumido", contou aquela que assiste aos jogos, vibra com os sucessos, mas tal como toda a família não se deixa deslumbrar com o novo estatuto ou riqueza de Rúben Amorim.
A mãe e o irmão, Mauro, continuam a viver em Corroios, na Margem Sul (o irmão tem um negócio de automóveis), para onde se mudaram quando Rúben tinha apenas 13 anos, e fazem a mesma vida de sempre. Na altura, já tinha jogado nas camadas jovens do Benfica e tentava a sorte em outros clubes menores, depois de ter visto a porta da Luz fechar-se, mas seriam, talvez, os tempos mais difíceis da sua vida.
Os pais tinham-se acabado de separar e as rotinas de Rúben Amorim deixaram de ser em Alverca para se dividirem entre duas casas que ficavam demaisado longe e ainda os treinos na Pontinha, em Lisboa. Além disso, deparava-se com uma escola mais problemática, em Corroios, na Margem Sul, onde teve de se adaptar à dureza de novas situações. "Nós [os pais] estávamos separados e essa foi uma mudança importante para os nossos filhos. O Ruben estava habituado a uma escola tranquila e lembro-me de que foi assaltado uma ou duas vezes lá em Corroios, era outro ambiente", contou aio 'Mais Futebol' o pai, Virgílio, conhecido pelo seu negócio em Alverca onde tem uma loja chamada o 'Rei das Chaves'.
A UNIÃO COM O IRMÃO
Filho de Virgílio Amorim e Anabela Francisco, contabilista, Rúben Amorim tem 22 meses de diferença do irmão mais velho, Mauro, de quem sempre foi muito próximo. Juntos, partilharam o gosto pelo futebol, e até certo ponto uma certa competição para ver quem iria ser o melhor. Os dois davam nas vistas por serem talentosos, e Mauro ainda faria carreira como futebolista, jogando em clubes como o Alverca, Lourinhanense e Montijo. Rúben tem ainda uma irmã, Cátia, apenas da parte do pai, de quem se mostra igualmente próximo, havendo fotos da família unida na formatura da jovem.
Mas foi ao lado de Mauro que foi consolidando a paixão pelo futebol, apesar de os dois sempre terem sido muito diferentes. "Eles são muito próximos um do outro até hoje. Sempre foram. Tinham as guerrinhas normais de irmãos, mas amavam-se, adoravam-se", disse o pai na mesma entrevista ao 'Mais Futebol', acrescentando que Rúben sempre foi o mais tímido dos irmãos, porém obstinado.
Para o retratar, recorda uma situação em particular. Ainda antes de entrar nas camadas jovens do Benfica, o pequeno Amorim começaria o seu percurso no desporto a jogar hóquei, como guarda-redes. A dada altura, ele, que já em miúdo se irritava se o pai se atrasasse e o fizesse chegar depois da hora dos treinos, foi repreendido pelo treinador depois de um jogo menos feliz.
"Sempre foi muito disciplinado e aplicado no desporto. Não falhava a um treino. Um dia, ele teve um jogo menos bom, terá dado um franguito ou dois, e o treinador teve um comentário infeliz com ele: 'Dormiste pouco esta noite, foste sair?' O Rúben ficou muito sentido, era ainda um menino muito pequeno. Nunca mais lá apareceu. Fui eu que tive de ir buscar os patins dele ao pavilhão. Digo-o com orgulho: o Rúben foi sempre uma criança adorável, excelente, mas quando metia uma coisa no juízo, não havia forma de lhe dar a volta", contou Virgílio.
Quem o conhece diz que Rúben é mesmo assim, mas a isso tudo soma um lado cómico, divertido, quando conquista um amigo, dificilmente o perde. Apesar da disciplina, também gostava dos pequenos prazeres da vida, como de sair à noite, mas sempre com conta peso e medida. "Tinha a mania que era bailarino, mas regra geral era muito caseiro, passava muito tempo a ver jogos de futebol", conta Bruno Simão, um dos seus melhores amigos até hoje, que conheceu nas camadas jovens do Benfica. Rúben é padrinho do filho do antigo atleta, que afirma que os dois são como que "irmãos de outro sangue".
É desses tempos, aliás, que saíram alguns bons amigos, que o agora treinador preserva, entre os quais João Pereira, agora na calha para o substituir no Sporting. Todos destacam o lado afável de Rúben, alguma vergonha, que foi aprendendo a contornar e um sentido de humor muito apurado, que até tem uma especialidade: as imitações.
Quem já ouviu, conta que o novo técnico do Manchester era exímio a imitar Chalana e levava os colegas às lágrimas quando se punha na pele de Jorge Jesus.
AMOR, FILHOS E UMA VIDA SEM LUXOS
Rúben dedicou toda a sua vida ao futebol e quando a maioria dos craques decide pendurar as chuteiras e começar a aproveitar melhor o tempo perdido, ele continuou no desporto-rei, decidido a ser um treinador de sucesso.
É obstinado, trabalhador, estuda muito para se superar, mas aquilo que conquista os jogadores com quem trabalho está longe de ser apenas isso. Aos 39 anos, Rúben Amorim é o mister, mas também é muito 'tu cá, tu lá'. Esteve do outro lado há um par de anos, percebe as dores daqueles com quem trabalha. Exige esforço e dedicação, mas partilha os dividendos, as vitórias são de todos. É esta cumplicidade com o plantel que é considerada uma das suas grandes armas, e também a serenidade que transmite.
A sua vida pessoal dificilmente faria capa das revistas cor-de-rosa. Polémicas não se lhe conhecem, namoradas a lista é curta e está ao lado da mesma mulher há mais de dez anos, mãe dos seus dois filhos, numa rotina discreta que mantém resguardada. Não tem redes sociais nem sente necessidade de se expor dessa forma, e fora do futebol tem uma vida muito pacata, diz que mal tem tempo para gastar os muitos milhões que ganha (no Manchester, vai triplicar o salário recebendo quase 8 milhões de euros por ano). Não são os carrões, as marcas que o movem. Aliás, vemo-lo quase sempre vestido da mesma maneira: uns jeans, um pulover e já está. Nada de Guccis em letras garrafais, escritas em camisas que dão nas vistas, porque isso é o contrário daquilo que Rúben é: um tipo simples que faz do futebol um modo de vida.