A 8 de setembro de 2022, quatro meses depois de o marido, João Rendeiro, ter posto termo à vida na prisão onde se encontrava, na África do Sul, a viúva do ex-banqueiro deu entrada no Cartório Notarial de Oeiras para repudiar a herança do marido. Naquele caso, o que património que este lhe deixava em testamento não compensava os 40 milhões de euros de dívidas e indemnizações que teria de pagar, fruto de decisões judiciais que condenavam Rendeiro por ter desviado uma fortuna do banco que geria, nem as chatices em tribunal que teria pela frente, pelo que abdicou de tudo o que lhe cabia em testamento e, desta forma, livrou-se das dívidas, deixando-as nas mãos do Estado.
Maria de Jesus Rendeiro mostrava, então, o seu melhor ar abatido de quem está prestes a iniciar uma nova vida, não tão faustosa como nos tempos áureos do casamento com o presidente do BPP, mas com algumas mordomias a que estava habituada.
E presumia-se que esse seria o final da história pública de Maria de Jesus Rendeiro, não estivesse ela já na altura a ser investigada por ter desviado algumas obras de arte avaliadas em milhares de euros da coleção do marido. Ora, neste caso uma coisa levou a outra e o processo deixou a viúva de Rendeiro na mira dos investigadores, que acabaram por expor o plano que estava a levar a cabo para garantir a sua reforma dourada.
Assim que a polémica estoirou, a viúva terá começado a desviar o património para fora da sua luxuosa vivenda, sendo que tudo passou a ser meticulosamente escondido na casa da irmã, Celeste Matos, em Aveiro. Sabendo que os investigadores passariam a pente fino a mansão da Quinta Patiño, em Cascais, a viúva de Rendeiro julgou mover para território seguro um sem número de bens de um valor incalculável. Agora, o 'Observador' divulgou a longa lista de tudo o que foi apreendido e que daria certamente para assegurar o futuro de várias famílias portuguesas.
Ainda no mesmo local e também escondidas na despensa estavam caixas com 14 relógios valiosos, alguns de ouro, das marcas mais exclusivas como Rolex, Cartier, Franck Muller, Bulgari ou Ulysse Nardin, com custos nunca inferiores a 100 mil euros por peça.
Entre os bens encontrados em casa da irmã de Maria de Jesus Rendeiro estavam ainda cartões de débito e crédito internacionais, que provavam que esta tinha contas não mencionadas no estrangeiro, nomeadamente na Costa Leste dos Estados Unidos, encontrando-se a fazer levantamentos de 300 euros por dia, num total que já superava os 40 mil euros. Aos inspetores, Celeste confirmou que os bens estavam na sua casa a pedido da irmã, depois de o escândalo em torno de João Rendeiro ter estoirado.
ABANDONADA À SUA SORTE
Maria de Jesus Rendeiro, de 69 anos, foi deixada para trás pelo marido em setembro de 2021, quando este fugiu de Inglaterra para o Dubai num jato privado e depois deste estado árabe num voo da companhia aérea Emirates para a Cidade do Cabo na África do Sul, onde acabou por se enforcar na prisão.
Sem o marido, a viúva de Rendeiro começava, então, a fazer-se à vida e tentava de tudo para salvar alguns dos milhões que, na altura, o ex-banqueiro tinha espalhados pelo mundo.
Na altura, a investigação ao circuito do dinheiro desaparecido do BPP conduziu os inspetores a uma offshore chamada Octavia International Foundation, sediada no Panamá, onde estavam depositados mais de 7,69 milhões de euros, e à qual Maria de Jesus também tinha acesso.
Além desse valor, uma conta bancária titulada por João Rendeiro num banco na Suíça foi mexida enquanto ex-banqueiro estava na prisão, isto entre 22 de novembro de 2021 a 26 de janeiro de 2022, tendo sido levantados em dinheiro 19.910 euros e investidos mais de 346 mil euros na compra de ações.
Ora, nesse período, em que esteve parcialmente em prisão domiciliária com pulseira eletrónica, a mulher de Rendeiro estava condicionada nos movimentos, mas terá movido as suas influências para tentar salvar o máximo património possível. Uma das jogadas mais conhecidas já tinha, no entanto, sido feita pelo seu motorista particular, Florêncio de Almeida, que comprou um apartamento de luxo na Quinta Patiño, em Cascais, por 1,15 milhões de euros, que cedeu com usufruto por 201 mil euros à mulher do patrão, local para onde ela foi residir com uma irmã assim que a justiça a colocou em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica.
A moradia acabaria por ser posteriormente arrestada, mas em cada ponta solta que se desatava, os investigadores descobriam mais património e milhões escondidos. Não há certezas de que se já tenha descoberto tudo.
Maria de Jesus Rendeiro e o marido estavam casados há 53 anos e nunca tiveram filhos. Juntos enfrentaram várias adversidades quando o momento em que a companheira do banqueiro lutou contra um cancro na mama.
"Dei depois por mim a pensar que se a Maria morresse, eu também queria morrer. Conhecemo-nos desde pequenos, começámos a namorar aos 17 e casámos com quase 21. Não me envergonho de dizer que muitas vezes chorei por causa do que a Maria teve de passar. Até quando já não tinha cabelo continuava bela", disse na altura, ignorando que, anos mais tarde, seria ele a abandonar a companheira à sua sorte.
A notícia da morte do marido foi um choque para Maria de Jesus que, agora sem aquele que foi o seu pilar, e qualquer tipo de património se ampara na irmã para enfrentar o futuro que se afigurou bastante diferente daquele que, nos seus anos de ouro, tinha idealizado.