
(três leis universais que só um burro não respeita)
1. A única maneira de multiplicar o tempo que temos é, ironicamente, partilhá-lo com os outros. Há uma oposição clara entre a visão numérica da vida e a visão poética da vida, mesmo que ambas tenham muito em comum. Na vida o mais importante é a partilha, talvez a menos valorizada das formas de amor.
Escrevem-se livros sobre aventuras, filmes sobre heróis, peças de teatro sobre batalhas e guerras, e tão pouco é criado em redor da necessidade de dividir para multiplicar, uma antítese científica que só a experienciação – o mais antigo e irrefutável instrumento científico – comprova inexoravelmente.
Somos o que partilhamos. Alguém que conquista o mundo só o saberá saborear se tiver alguém para saborear consigo. Um vencedor necessita de vencer, sim; mas necessita, mais ainda, de quem o felicite por ter vencido. Ganhar um prémio e não ter com quem festejar é ganhar um castigo – o mais cruel dos castigos, aquele que o indivíduo perceber que, por mais que ganhe, estará sempre a perder. Só quem não tem quem o conforte quando acabou de perder é um derrotado; os outros são apenas pessoas, aquelas criaturas que ganham e perdem, que acertam e falham, mas que no meio disso tudo nunca deixam de ser pessoas.
Somos pessoas quando olhamos à volta e nos encontramos. Existe o amor para nos salvar de só nós: de apenas nós. Ninguém é feliz sozinho, o que não quer dizer que não haja pessoas sozinhas felizes – mas essas, por mais que não haja corpos à volta, sentem com outras, têm outras em si. Estar acompanhado é sentir quem somos no meio dos outros. O amor é o que evita a solidão – nem que seja o amor-próprio.
2. Os mais recordados não são os que deixam herança; são os que deixam saudade. Temos de ser fazedores incansáveis de saudade, fábricas de momentos irrepetíveis. Fazer fortuna é fazer amigos, fazer amores (e amor) ou celebrações – ou ainda, na mais perfeita das possibilidades, celebrações com amigos e amores. Andamos aqui para ver o que podemos ver, o que podemos tocar. Nasce-se para experimentar, para avistar e perceber – e para amar. Um milionário é uma pessoa que amou em doses excêntricas.
Nunca ninguém sofreu por amor a mais, só por escassez. Quando sentires escassez de amor muda de vida: é esse, na verdade, o único motivo para mudar de vida. Nunca entendi porque existe uma casa da moeda, onde se imprime dinheiro, e não existe uma casa do amor, onde se imprima amor.
Quando for grande quero ser criador de amor, criar uma casta especial de pessoas apaixonadas, que se dediquem a eliminar a força do capital sobre a humanidade. Mas, é claro, vou precisar de muito dinheiro para isso.
3. São os que mais amam que mais sentem a exiguidade do tempo, mesmo que sejam eles, também, a aproveitá-lo melhor. O tempo é o peso do que sentimos contra o peso do que vivemos. Envelhecemos quando há vida a mais para tempo a menos, ou quando há tempo a mais para vida a menos. É o desequilíbrio que nos faz viver, por mais que seja ainda ele a matar-nos mais um pouco. Uma pessoa sempre equilibrada pode viver mais tempo mas vive menos vida. A finitude é de um sarcasmo insuperável: é quando mais felizes somos que mais o tempo passa. A infelicidade é a lentidão, o dia arrastado no meio da dor. Nunca nenhum homem feliz disse que a vida era longa.
Lama: s.f. Espaço ao qual só acedem os corajosos; cair só acontece a quem ama – os outros nunca deixam de estar de joelhos.