Pedro Chagas FreitasCOMO F***DER UM CASAMENTO Manual Prático para Mul
Notícia
Pedro Chagas Freitas: Jejum
Jejum: s.m. Carência do mais primário que temos na vida; à privação do que nos faz sobreviver chama-se fome; à privação do que nos viver chama-se solidão.
Nasceu algumas semanas antes do tempo, algo que, naquela altura, era quase sempre sinónimo de morte.
Lutou para resistir – e resistiu, claro.
O pai abandonou-a, e à mãe, por não ser um rapaz.
Perdeu uma irmã mais velha um ano para uma doença contagiosa de então, depois de meses de luta e de tentativa de sobrevivência em vão.
Começou a trabalhar aos dez anos para ajudar a mãe, numa empresa de calçado, das seis da manhã às oito da noite.
Conheceu o homem da sua vida, mais velho duas décadas e com quase um metro e noventa de altura e de elegância, quando tinha dezasseis anos – e ficou fascinada, envolvida, irreversivelmente presa a ele.
Casaram-se sem qualquer pompa e sem nenhuma circunstância – mas com tudo o que interessava para seguirem juntos.
Tiveram quatro filhas perfeitamente saudáveis e pelo menos dois abortos não provocados – algo também ainda natural por aqueles dias.
Ele foi, sem nunca se perceber muito bem porquê, acusado de um crime de atropelamento.
Esteve preso alguns dias, mas saiu livre e inocente, respeitado por toda a gente.
Teve um acidente mortal de moto e deixou-a viúva e com quatro filhas crianças aos vinte e um anos.
Trabalhou num café de bairro de sol a sol.
Conheceu o segundo homem da sua vida, este menos alto mas também envolvente, aos vinte e cinco anos.
Casaram pouco tempo depois, numa cerimónia à qual as quatro meninas do outro casamento assistiram.
Tiveram, depois, sete filhos juntos.
Nunca deixou de trabalhar e teve mil e um empregos.
Um dos filhos morreu de acidente de automóvel quando tinha vinte anos – e quando ela tinha pouco mais de sessenta anos.
Tirou a carta de condução apenas para mostrar a si mesma que era capaz – mas nunca conduziu.
Foi operada sete vezes aos mais diversos problemas e doenças, e delas saiu sempre capaz de prosseguir com aquilo que queria fazer.
Para além do seu emprego normal vendia os mais variados produtos de porta em porta, em busca de um rendimento-extra.
A última vez que foi operada já tinha mais de setenta anos.
Pouco tempo depois perdeu o segundo homem da sua vida, depois de ter padecido mais de dois anos com a doença e a incapacidade dele.
Já com mais de oitenta anos, caiu de uma cadeira alta enquanto tentava colocar uma lâmpada de tecto.
Recuperou mais uma vez e manteve-se lúcida e autónoma, senhora do seu nariz.
Penteava-se todos os dias com a sua escova preferida e adorava ver-se ao espelho, sempre vistosa – e foi assim, de cabelo penteado e vistosa que morreu, em casa, sozinha e independente como sempre.
Foi uma das pessoas mais felizes que conheci.
Jejum: s.m. Desprovimento do básico; à escassez voluntária ou involuntária de comida chama-se fome; à escassez voluntária de amor chama-se burrice.
Saíste. E nem um beijo. Simplesmente foste. Tinhas certamente muito em que pensar, a empresa, as preocupações, as contas para pagar, os desafios que te esperam, mas foste sem um beijo. Deixaste um até logo distante, que quando foi falado já não estava aqui.
Eu sei: a culpa é minha. A culpa é minha e desta minha cabeça que não pára de pensar. Que não pára de questionar. Que não pára de querer entender tudo e mais alguma coisa.
CARTA AO PREGUIÇOSO ARREPENDIDO: Meu grandessíssimo burro, como querias tu que a paixão resistisse, que a nossa vida, tal qual a sonhámos resistisse, se simplesmente te deixaste cair na preguiça? Como?
Somos do tamanho do que impedimos em nós para magoar quem amamos. Em mim impeço tudo. Se sei que te pode magoar, paro. Se sei que te pode magoar, respiro, acalmo. E não faço.