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Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

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Ir e ficar

Sempre acreditei que são as mulheres que escolhem os homens, mas agora já não vejo o mundo assim. Tu não escolhes o amor, o amor é que te escolhe. Se existir uma semente de amor, eles mexem-se. Caso contrário, deixam-se ficar onde estão, árvores que morrem de pé sem ninguém saber.
06 de abril de 2018 às 12:43
Serra Nevada, esqui, espanha
Serra Nevada, esqui, espanha

Já te disse que é cada vez mais difícil deixar que os homens se aproximem de mim?

Não, não se trata de nenhum trauma de infância, ausência de pai, bullying no liceu, problemas com a primeira vez, medo da rejeição, inseguranças várias, coração partido com um grande desgosto de amor e todo esse chorrilho de clichés que são o pão-nosso dos psicólogos e psiquiatras de serviço ao mundo. No meu caso, estou em crer que talvez tenha sido o contrário: uma infância de ouro, um pai que esteve sempre lá, uma primeira vez que correu bem.

É verdade que aos 15 anos o meu namoradinho me trocou pela minha melhor amiga, mas por uma razão de peso: eu era virgem e não queria deixar de o ser, ele era guloso e ela era liberal. Embora o desgosto tenha sido grande, com direito a choradeira e a alguns dias de prostração, acho que nunca tive oportunidade de lhe agradecer o enorme favor que me fez, já que o tipo se veio a relevar um dos maiores escroques da nossa geração. E depois tive desgostos de amor como toda a gente, mas a vida é isto, quem vai à guerra dá e leva e só não cai quem não faz ski.

Foi pela altura da Páscoa que me cruzei com o Manel em Serra Nevada, fez agora um ano. Eu estava a comprar uns óculos novos quando ele entrou na loja para alugar skis e botas. Não o reconheci imediatamente. Não sei há quantos anos não o via e na verdade nunca tinha reparado nele. Uma semana antes de ir de férias, tropeçara no seu perfil no FB e trocámos mensagens. "Olá, és o Manel primo do João, não és? Sim, e tu és a Maria, prima da Teresa, certo?" E fomos por ali fora, cada um a comentar os primos do próprio e do outro que são um casal feliz, pais de um lindo casalinho. E de repente o Manel estava ali, na mesma estância, e eu pensei, não há coincidências.

Depois já sabes o que aconteceu, Luísa. Descemos pistas juntos, fomos jantar fora, conversámos horas e horas sem fim. Eu via os olhos dele a brilhar mais cada vez que nos encontrávamos e quando se despedia, os abraços eram sempre mais fortes e mais longos do que é habitual.

Aquilo começou a mexer comigo. Há tanto tempo que o meu coração não batia por ninguém que já me tinha habituado a viver sem pensar nisso. E o Manel nem sequer fazia com que o meu coração disparasse. O efeito em mim era outro: ele aparecia, começava a sorrir, e eu sentia-me em casa. Ele emanava uma espécie de tranquilidade, que tem mais a ver com o seu feitio calmo do que com o que quer de mim, mas como sou dada à híper-romantização, embalei em interpretações erróneas, acto muito comum a quem, depois de estar muito tempo quieto, sente a pulsão para o movimento.

Lembras-te quando parti a perna direita no primeiro ano de faculdade e estive no hospital três semanas? Quando recomecei a andar, ou melhor, a tentar pôr os pés em chão firme para andar, estava perra e perdera a noção do equilíbrio. Os primeiros passos foram uma grande trapalhada.

Com o Manel também foi assim: nenhum sabia como dar o primeiro passo, acabámos por nunca dar o passo decisivo. Se ele tivesse avançado, eu ter-me-ia deixado ir. As mulheres deixam-se ir. Basta sentirem alguma confiança. As mulheres deixam-se ir porque gostam de ser levadas. É aquele veneno da infância, o teu pai que te levou ao colo e à cavalitas, leva-te ao altar. E o teu marido leva-te ao colo para o quarto. Não sei se a rapaziada ainda se lembra de fazer isso às namoradas, mas já agora fica aqui a sugestão. Peguem nelas ao colo, com carinho e com cuidado, porque as mulheres gostam disso.

As mulheres deixam-se ir, os homens deixam-se ficar. Mesmo que o desejo os consuma, abrem uma folha de Excel na cabeça e começam a preencher as duas colunas dos prós e dos contras antes de avançar. E se for arriscado, desistem antes de tentar. Ou então, quando já perderam a cabeça e já entregaram o coração, mas no último minuto possível vão buscar a maldita folha de Excel e fazem o mesmo exercício: as prestações do andar, a pensão de alimentos, os miúdos que podem sofrer com a separação, o fim das estadias de férias na casa dos sogros, a simples perspetiva de uma mudança, e de repente desparecem todas as coisas boas que os fizeram querer mudar, e deixam-se ficar.

Sabes Luísa, às vezes é mesmo melhor ficar quieta e ver até onde eles se mexem. Sempre acreditei que são as mulheres que escolhem os homens, mas agora já não vejo o mundo assim. Tu não escolhes o amor, o amor é que te escolhe. Se existir uma semente de amor, eles mexem-se. Caso contrário, deixam-se ficar onde estão, árvores que morrem de pé sem ninguém saber.

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