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Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

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Margarida Rebelo Pinto: 3 invernos

Era ainda miúda a primeira vez que fui à Comporta. Naquele tempo os caminhos para a praia eram de terra e não existiam setas. O verde incandescente dos arrozais, as suaves curvas das dunas e o areal claro e regular com o mar muito azul em frente, tudo lindo, silencioso e vastíssimo.
10 de março de 2017 às 23:07
Comporta
Comporta

Era ainda miúda a primeira vez que fui à Comporta.

Naquele tempo os caminhos para a praia eram de terra e não existiam setas. O verde incandescente dos arrozais, as suaves curvas das dunas e o areal claro e regular com o mar muito azul em frente, tudo lindo, silencioso e vastíssimo, foram como setas que ficaram para sempre presas no meu coração.

Passaram-se muitos anos até voltar. E assim que regressei, nunca mais deixei de ir, até conseguir comprar uma casa de férias onde sou feliz, mesmo quando estou triste.

A casa foi construída em torno de um pinheiro que a antiga dona decidiu matar. Quando a comprei, o que restava da árvore era apenas a sua carcaça. Era ao mesmo tempo velo e desolador, como um grande amor que não sobrevive.

Às vezes o amor não acaba por falta de amor. Às vezes acaba por falta de coragem. Um dá tudo e o outro hesita. Um sonha e o outro não acredita. O medo é o maior inimigo da vontade e como vontade e amor são a mesma coisa, o medo é o maior inimigo do amor. 

As relações doentes não morrem logo; ficam-se por ali definhar como uma árvore morta que ninguém teve força para arrancar.

As árvores morrem de pé. Primeiro caem as folhas e os ramos mais altos, depois o tronco vai abrindo como uma ferida até se partir em bocados enormes que fazem muito ruído quando caem. 

Demora tudo muito tempo e é muito triste.

As relações doentes, em que um dá tudo e o outro se acomoda, em que um diz o que sente e o outro esconde o que lhe vai no coração ou na vida, morrem porque estão condenadas. Não têm sonho, não têm esperança, não têm o desenho nos passos de uma vida a dois em verdade e em alegria. São relações sem construção nem paz.  

Não é o amor que as mata. Aquele amor maior, arrebatador, que faz de nós Super-Heróis. O amor nunca matou ninguém. O que mata é o desamor. Quando um ignora, silencia e aplaca a voz do outro. Quando não há resposta, nem respostas. Quando não existe mimo nem respeito. Quando as pessoas dentro de casa são uma coisa e fora de casa são outra. Quando apenas o sexo as une. Ou quando as aparências as juntam, sem desejo, nem prazer, nem intimidade. 

O amor morre por falta de verdade e de intimidade. Por ausência de entrega e de dedicação.

O amor morre por falta de tempo e de vontade. E depois fica ali , diante dos nossos olhos, a árvore morta que a chuva, o sol, o calor e o frio vão devastando. 

É a erosão do tempo, a força dos elementos exteriores que acaba por vencer.

No meu jardim da Comporta havia uma árvore morta. Quando os ramos mais altos começaram a quebrar sobre o telhado, tive de a arrancar. Sempre que lá vou, não há um dia em que não me lembre dela. Vejo-a sempre, imensa, na minha memória infernal e prodigiosa.

Já não existe e no entanto nunca mais vou deixar de a ver no lugar onde a cortaram. Os seus troncos são usados para a lareira no Inverno.

Já lá vão 3 Invernos. Já lá vão 3 Invernos.

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