
A violência doméstica nunca nos deixa indiferentes. É perturbador saber que no círculo que se formou, tendo o amor como vínculo, pode brotar com a violência mais inusitada a agressão que, em vários casos, é assassina. Juraram e viveram promessas de amor, fizeram filhos, construíram vidas e, mais cedo ou mais tarde começa a agressão.
Dois casos chamaram-me particularmente a atenção. A mãe brasileira, que se encontra detida em Portugal às ordens das autoridades brasileiras, que terá assassinado cinco dos seus filhos e de um pai, que num acampamento na Amareleja, assassinou um filho com a cumplicidade de outro filho, logo um irmão da vítima.
Não é possível aplicar doutrina para explicar ou, sequer, compreender estes atores criminais. São tão absurdos, tão contrários às leis da vida e do viver que emudecemos de horror. Esta gente não nasceu determinada a matar. Não cresceu a aprender os gestos da violência. Não terão vidas felizes e, sobretudo, não aprenderam a controlar a agressividade.
A violência doméstica, como se vê, não obedece ao padrão comum do marido que agride a esposa. Ela revela-se de outras formas, tal como nestes dois casos. Não é uma relação de solidariedade transversal que caracteriza estes crimes. Quebraram as solidariedades verticais entre pais e filhos. Em ambos os casos os pais assassinaram os filhos.
Produzimos ao longo do século passado, e na presente centúria, uma cultura que se funda no investimento afetivo que fizemos sobre as nossas crias. Os filhos são genericamente motivo da maior atenção e cuidado por parte dos progenitores. Criámos sistemas de cuidados paralelos que substituem os pais, na ausência destes, nomeadamente creches, jardins de infância, cuidadores informais e, não raras vezes, por eles mudamos de vida para estarmos mais perto de um qualquer hospital ou da escola que lhe permite um percurso sem atrito.
De súbito desponta a violência, gerada por impulsos de ódio, uma verdadeira anormalidade para quem se uniu e deu vida aos próprios filhos.
Não tem explicação a não ser na ordem da doença mental. De outro modo não consigo entender como o amor pode dar origem a tanta crueldade.