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A incrível história de Jon Fosse: o Nobel da literatura que lutou contra o álcool e se tornou escritor por causa de um acidente

É pai de seis filhos, casou três vezes, vive numa residência honoraria na propriedade do palácio real de Oslo e, agora, ganhou quase um milhão de euros da Academia sueca. Mas a vida daquele que é apontado como o Samuel Beckett do séc. XXI nem sempre foi fácil. Aliás, dava um livro...
Por Miguel Azevedo | 12 de outubro de 2023 às 22:53
Jon Fosse Foto: getty images

Andava a conduzir pelo campo, no fiorde Sognefjord, a norte de Bergen, na Noruega, quando recebeu o telefonema da Academia sueca a informá-lo de que era o novo vencedor do Nobel da Literatura. Em reação, Jon Fosse, de 64 anos, viria a confessar esta quinta-feira ter ficado "assoberbado e assustado com a notícia", ele que, desde 2013, vinha sendo apontado como um dos favoritos ao prémio. "Tenho-me preparado, nos últimos dez anos, cautelosamente, para o facto de que isto pudesse vir a acontecer. Mas não esperava receber o prémio hoje [quinta-feira], mesmo que houvesse uma hipótese". Com a distinção, o escritor, que curiosamente começou a escrever peças de teatro em 1993 porque estava falido, mete agora ao bolso um valor monetário perto dos 950 mil euros.

Jon Fosse nasceu em 1959, em Haugesund, na costa ocidental da Noruega, filho de um pai gestor de uma cooperativa e de uma mãe doméstica. Cresceu perto de Strandebarm e, aos sete anos, sofreu um acidente onde quase perdia a vida (nunca especificou o acidente), numa experiência que, hoje, assume como tendo sido "fundamental para a sua formação enquanto escritor". Essa experiência, dizia no ano passado numa entrevista à Los Angeles Review of Books, "abriu-me os olhos à dimensão espiritual da vida, mas, sendo um marxista, tentei negar isso tanto quanto pude". Pai de seis filhos fruto de três casamentos (o último filho nasceu há apenas quatro anos), Jon Fosse passou por algumas dificuldades financeiras, mas a vida já lhe deu tantas voltas, que desde 2011 tem residência honorária nas propriedades do Palácio Real de Oslo (o chamado 'Grotten' é uma honra especialmente concedida pelo rei da Noruega a todos aqueles que contribuíram para as artes e cultura norueguesas). Nesse mesmo ano, fez parte dos consultores literários para uma tradução norueguesa da Bíblia. 

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Jon Fosse Foto: getty images

Membro da igreja norueguesa (embora gostasse de se descrever como ateu), ingressou na igreja católica há poucos anos e, voluntariamente, internou-se numa clínica de reabilitação para resolver aquela que era uma das maiores dependências da sua vida: o álcool. "Agora não vou a bares. Em vez disso, vou a cafés. O álcool é, para muitos, um grande prazer e para muito poucos um grande problema. Não me incomoda estar perto de quem beba, mas as 'afterparties’ para mim terminaram", dizia numa entrevista em 2019 à 'Music and Literature'. Admite que, com o fim do álcool, a sua escrita mudou e os seus hábitos também, ele que era, acima de tudo, um escritor notívago. 

De acordo com o secretário permanente do Comité Nobel, Mats Malm, Fosse foi agora distinguido pelas suas "peças inovadoras e prosa que dá voz ao indizível".  "A sua imensa obra, escrita em norueguês e abrangendo uma série de géneros, consiste numa grande variedade de peças de teatros, romances, coleções poéticas, ensaios, livros para crianças e traduções. Apesar de ser um dos mais representados dramaturgos no mundo, também se tornou crescentemente reconhecido pela prosa".

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"Agora não vou a bares. Em vez disso, vou a cafés. O álcool é, para muitos, um grande prazer e para muito poucos um grande problema."

Fosse começou a escrever poesia muito novo "mesmo muito novo", diz. "Não queria propriamente ser um escritor, escrevia para mim", chegou a revelar sobre uma altura da sua vida em que se considerava "apenas um tipo esquisito da parte oeste e rural da Noruega". Chamou a atenção pela primeira vez sobre a sua escrita em 1983 quando escreveu o romance 'Raudt, svart' (Vermelho, preto) sobre o suicídio. "Para minha grande surpresa, houve um editor que se interessou. E passei a ser um autor editado. É bom ser-se editado, mas perde-se uma espécie de inocência. Mas lá continuei a escrever. E gosto de escrever. "Uma das razões é porque sou tímido. E assim posso trabalhar ao meu ritmo. Eu é que decido quando trabalho", explica. 

UM DRAMATURGO RESPEITADO 

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Atualmente, Jon Fosse é um dos dramaturgos mais respeitados do mundo do teatro, tendo alcançado o reconhecimento em 1999, com a produção francesa de Claude Régy da sua peça de 1996 'Vai vir alguém' (já representada em Portugal). Por cá, é encenado desde 2000 pelos Artistas Unidos. Entre as suas obras, destacam-se 'A Noite Canta os seus Cantos', 'Inverno', 'Lilás', 'Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices' e 'Sou o Vento/Sono/O Homem da Guitarra' com destaque ainda para 'Trilogia' (2022) e 'Septologia I-II' (2022). Jon Fosse já se descreveu a si próprio como autor de uma "prosa lenta", sendo encarado pela crítica como um minimalista nos meandros da ficção metafísica. 

Para muitos, é considerado o Samuel Beckett do séc.XXI. "Escrevo como quem está a ouvir e a compor música, no sentido em que uma nota pede outra, uma frase abre caminho à seguinte", dizia no início deste ano numa entrevista à revista Visão.  Com as suas obras traduzidas em mais de 40 idiomas, Fosse foi nomeado cavaleiro da Ordem de Mérito Nacional em França, em 2007, e faz parte da lista dos 100 maiores génios vivos elaborada pelo Daily Telegraph. Foi o quarto escritor norueguês a receber o Prémio Nobel da Literatura.

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