Amor e dor. A razão pela qual Francisco nunca regressou à Argentina nos 12 anos em que foi Papa
Percorreu o mundo a falar da sua fé e esteve inclusivamente em quatro países que fazem fronteira com a sua terra natal, no entanto acabou por nunca regressar à Argentina, o país onde nasceu e que tanto amou. Os mais próximos acreditam que esta decisão tem uma mensagem subliminar, mas também que Francisco tinha planeado ir à sua terra natal no fim de vida, que acabou por surpreendê-lo mais cedo do que o previsto.Jorge Mario Bergoglio tinha 76 anos quando deixou a Argentina rumo ao Vaticano para participar no Conclave. De Buenos Aires, onde nasceu e passou grande parte da sua vida, não se despediu com lágrimas. Não era um favorito ao cargo que ocuparia 12 anos como Papa Francisco e acreditava voltar em breve para continuar a sua vida de devoção, tendo sido surpreendido com a decisão que mudaria para sempre a sua vida. Sem que soubesse, aquela seria a sua despedida da Argentina, um país ao qual nunca regressaria, numa decisão que muitos questionaram e que valeu bastante tristeza dos seus conterrâneos, muitos deles que não conseguiram entender a razão pela qual Francisco percorreu o mundo, inclusivamente quatro países que fazem fronteira com a Argentina, mas não voltaria a pisar a sua terra natal.
"Quando ele deixou Buenos Aires para o Conclave, ele parecia um tanto triste; estava a preparar um quarto para a sua reforma no Lar dos Padres, no bairro de Flores", disse Guillermo Marcó, padre da Arquidiocese de Buenos Aires, ao jornal argentino Clarín.
Na altura, Francisco achou que não teria um Papado longo "quatro anos no máximo", disse à BBC o seu amigo Gustavo Vera, com quem trocaria dezenas de cartas ao longo dos anos seguintes. É ele que alerta que não se pode confundir a ausência de Francisco na Argentina como uma renúncia à pátria, pelo contrário: o Papa foi sempre acompanhando à distância a situação dos seus familiares, conterrâneos, e principalmente com a situação socio-económica e política, que sempre o angustiou.
Nas longas missivas que trocava com o amigo, a Argentina estava sempre no centro das conversas: falavam de futebol – uma das grandes paixões de Francisco, adepto do San Lorenzo, de tango e dos problemas que perseguiam o seu país.
"Francisco manteve sua ligação com a Argentina. Nestes 12 anos, na sua agenda havia sempre um grande número de argentinos, que compareciam a audiências, que assistiam ao Angelus [oração feita pelo papa junto aos peregrinos na Praça de São Pedro aos domingos], que tinham audiências pessoais. O seu coração sempre esteve na Argentina, de alguma forma", disse o amigo.
Mas se para os amigos sempre foi fácil de entender por que razão Francisco não voltava, muitos argentinos ficariam magoados, não conseguiam entender porque é que ele esteve mesmo ali ao lado, em países como o Brasil ou Bolívia, mas não inclui na agenda a sua própria casa.
Quando era questionado publicamente sobre o assunto, dava sempre respostas evasivas, sendo que a última foi em setembro do ano passado, quando regressava de uma viagem à Ásia. "Eu gostava de ir. É a minha casa, mas ainda não está decidido. Há várias coisas para resolver primeiro", afirmava então.
De acordo com o seu amigo Gustavo Vera, a razão de não voltar prendeu-se muito mais por razões políticas do que pessoais, uma vez que Francisco não queria ser usado como arma política, e o próprio Francisco acabaria por abordar esse assunto.
"Eu sempre disse que iria à Argentina quando sentisse que era um instrumento para contribuir para a unidade nacional, para tentar unir os argentinos novamente", afirmou.
De acordo com esse amigo próximo, apesar de Francisco nunca o ter afirmado diretamente, era sua convicção de que ele estava a reservar a sua viagem à Argentina para o final do seu Papado. "Ele não me contou, mas eu acho que estava a reservar a reta final de seu magistério para a Argentina, como se o país fosse a estação terminal de sua longa jornada", disse, acrescentando que pese as saudades da irmã e de uma terra que sempre tanto amou, a missão que assumiu não lhe dava espaço para tristezas.
"Ele estava muito feliz por ser papa, porque sentia que podia ajudar. Ele ajudou a impedir muitas guerras, a prevenir conflitos em muitas partes do mundo. Estava a cumprir a missão da sua vida."