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THE MAG - THE WEEKLY MAGAZINE BY FLASH!

Delito de capelão? Toda a novela do padre dos fuzileiros que criticou Gouveia e Melo após a morte de Fábio Guerra, vista pelos olhos do Bispo Dom Januário Torgal Ferreira

Chama-se Licínio Luís Silva, era capelão dos Fuzileiros na Base do Alfeite e criticou na internet o discurso do Chefe de Estado Maior da Armada, o herói da vacinação em Portugal. Foi exonerado por este, choveram críticas de todos os quadrantes ao Almirante e dois dias depois o padre era reintegrado na Armada, mas não nos Fuzileiros. O Bispo Emérito fala em "humilhação" do sacerdote e garante que se fosse ele não voltava atrás na palavra.
Por João Bénard Garcia | 31 de março de 2022 às 23:53
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media
funeral Fábio Guerra Foto: Cofina Media

"O senhor Almirante nunca foi para a noite? Nunca bebeu uns copos? É selvagem por isso? Juízo com os nossos julgamentos". Com esta frase, publicada nas suas redes sociais, o padre Licínio Luís Silva, assinou a sua guia de marcha para perder o posto de capelão dos Fuzileiros na Base Naval do Alfeite, em Almada. O Almirante a que se refere o pároco é o carismático novo Chefe de Estado Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, o herói do processo de vacinação contra a Covid-19 em Portugal.

A frase do, até então para os civis, anónimo padre Licínio Luís desencadeou uma revolta nas Forças Armadas, mais concretamente na Marinha, e muito em especial no seio da Base Naval do Alfeite, em Almada.

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Depois do Chefe da Marinha ter afirmado que dois fuzileiros - alegadamente envolvidos nos desacatos à porta da discoteca Mome, em Lisboa, na madrugada de 19 de março, que redundaram na morte do jovem agente da PSP Fábio Guerra - tinham "manchado" a honra da farda, eis que o agora ex-capelão dos "fuzas" deu o peito às balas pelos rapazes que conhecia e aconselhava, na capela e no confessionário da base naval.

Numa polémica publicação no Facebook, que entretanto apagou, o ex-capelão dos Fuzileiros do Alfeite aconselhou o Almirante Gouveia e Melo a aguardar pela Justiça e a não "julgar sem saber". "Os jovens estavam a divertir-se e foram provocados. Um deles é campeão nacional de boxe, no seu escalão, foi atingido à falsa fé e reagiu", escreveu o religioso, entretanto exonerado pelo Chefe da Armada.

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The Mag tentou reiteradamente, e até à hora de fecho da edição, contactar telefonicamente o padre Licínio Luís Silva. Fez igual procedimento como o seu superior hierárquico, o Bispo das Forças Armadas, Dom Rui Valério, mas ambos mantiveram os telefones desligados durante todo o dia.

ALMIRANTE FEZ MARCHA ATRÁS COM O PADRE

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E foi um dia bem cheio para estes religiosos. É que depois do Almirante Henrique Gouveia e Melo ter decidido exonerar, por delito de opinião e violação do respeito devido à hierarquia militar, o capelão dos Fuzileiros do Alfeite (saltando o procedimento de primeiro informar da decisão o Bispo da Forças Armadas), eis que a chuva de críticas ferozes dos cibernautas contra a reação intempestiva de Gouveia e Melo e posterior retratamento público do referido capelão, obrigo o herói da vacinação a fazer marcha atrás e a readmitir, dia 31 de março, o padre que o criticado e exonerado dois dias antes.

Depois de ter informado, embora com um dia de atraso, o Bispo das Forças Armadas, Gouveia e Melo voltou a readmitir na Armada o padre que o tinha criticado e questionado publicamente nas redes sociais. A exoneração do padre Licínio Luís foi acompanhada de um coro de protestos, com fiéis a gritar acusações de "censura" do Almirante. Foi assim que dia 31 de março, numa missa campal na Base do Alfeite, em Almada, o Bispo anunciou o regresso do padre Licínio Luís ao rebanho da Armada. Mas não à capela dos Fuzileiros, onde perdeu, para já, o lugar.

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Padre Licínio Luís, capelão dos Fuzileiros Foto: Flash

"NÃO FALAR COM O BISPO NÃO FOI POR MALDADE"

Perante o apagão dos protagonistas da igreja católica intervenientes neste episódio, The Mag falou com o homem que em Portugal melhor conhece e percebe das regras castrenses e discursa com propriedade sobre o tema: Dom Januário Torgal Ferreira, 84 anos, o Bispo Emérito das Forças Armadas. E ele analisa tudo e faz a sua análise desta história – Quem falhou. Quem acertou. Quem voltou atrás na palavra, e não o devia ter feito.

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Dom Januário Torgal Ferreira Foto: Cofina Media

"Antes de se saber os desenvolvimentos de hoje (dia 31/03) falei com amigos e disse que esperava que o Almirante Gouveia e Melo tivesse falado com o Bispo das Forças Armadas. Não é uma questão de respeito, é uma questão de princípios e lembro-me como fui sempre tratado quando era Bispo das Forças Armadas. E isso é essencial", relembra, adiantando saber que "o senhor Almirante falou com o Bispo e com o capelão-chefe da Marinha depois de ter tomado a decisão. Acredito que não foi por maldade."

"Esperava que o Almirante Gouveia e Melo tivesse falado com o Bispo das Forças Armadas. Não é uma questão de respeito, é uma questão de princípios"

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Dom Januário Torgal Ferreira 

"HÁ UM POBRE QUE FOI ASSASSINADO"

O Bispo Emérito exorta a que os todos os intervenientes neste processo se agarrem a uma questão, que considera agora essencial. "Há um rapazinho que foi morto selvaticamente à porta de uma discoteca. Isto é a verdade e não precisa de ser usado polígrafo", defendeu, adiantando: "O Chefe de Estado Maior no posto há pouco tempo reage assim porque houve um morto. E estavam lá homens que eram elementos do corpo militar que ele serve. Há um rapaz que é assassinado. Eu não ponho aqui um problema de liberdade de expressão. Acho que o senhor padre não devia ter dito as coisas daquela forma. Problemas delicados tratam-se entre as pessoas", aconselha Dom Januário Torgal Ferreira.

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Para o Bispo Emérito: "O capelão falou em voz alta, mas porque é militar devia ter ido falar com o Almirante e punha-se à disposição, como capelão, para o ajudar. Porque o padre Licínio Luís é um rapaz formidável. Muito recto, muito bom e um grande capelão. Conheço-o muito bem. Agora a gente levanta a voz é pelos pobres. E houve ali um pobre que foi assassinado. Só que o capelão só sabe do assassinato pela sua família militar. Mas a família, a quem morreu um filho, de certeza que está contra os Fuzileiros".

"O padre Licínio Luís é um rapaz formidável. Muito recto, muito bom e um grande capelão. Conheço-o muito bem."

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"EU TAMBÉM BEBI COPOS E NUNCA MATEI NINGUÉM"

"Acho que essa liberdade de expressão do padre Licínio Luís não é adequada a desafiar um Chefe de Estado Maior dizendo que ele não conhecia a noite onde se bebem copos. Aí discordo. Devia dizer-lhe diretamente: 'Ó Sr. Almirante, o senhor não se lembra de quando bebia uns copos?' Ali não foi o problema de beber uns copos ou de ir a um bar. Eu fui muitas vezes beber copos e nunca matei ninguém. Nem as pessoas que foram comigo, nem houve conflitos, nem porcarias de outra ordem", revela o Bispo Emérito católico.

Fábio Guerra, o jovem assassinado Foto: Flash
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Apesar de tudo, Dom Januário está do lado do seu irmão padre. "Eu defendo o capelão, mas compreendo a posição do Chefe de Estado Maior da Armada. É pá, morreu um tipo. Quem estava bebado? Quem são as testemunhas disso? Mataram um rapaz. Quem é que não levanta a voz perante isto? E o Chefe de Estado Maior levantou a voz", questiona e reconhece.

Há, contudo um erro detetado pelo Bispo Emérito na atitude do ex-capelão dos Fuzileiros: "O capelão disse o que disse e depois veio pedir perdão. Eu nunca teria vindo pedir perdão. Se é liberdade de expressão assumida, eu arcava com a responsabilidade das minhas declarações e vinha-me embora. Se eu acho que o Chefe de Estado Maior está a lesionar e a cicatrizar o direito à recta consciência, juridicamente à presunção de inocência, se ele acha, por ter dados a provar que não foram os Fuzileiros, eu manteria o que disse. Era exonerado, vinha-me embora e não voltava", dispara.

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Dom Januário lamenta a posição em que ficou o seu antigo subordinado na hierarquia militar. "Fico triste que o capelão tenha dito uma coisa e depois no outro dia voltou atrás. É uma humilhação pública do carago. Ele fica perfeitamente amarrado", garante, assumindo que não se tratou de "um delito de opinião". "Eu sou capaz de ter cometido delitos maiores de opinião ao longo da minha vida militar, mas mantive-os sempre. Politicamente puxei orelhas ao António Guterres e ao Mário Soares, que até era meu amigo", remata.

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