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Jogos Olímpicos - Tóquio

Quatro histórias que valem ouro: o incrível percurso dos nossos heróis até Tóquio

Jorge Fonseca, Patrícia Mamona, Fernando Pimenta e Pedro Pichardo inscreveram os seus nomes de forma indelével na história do desporto português com a participação nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Conheça um pouco mais do percurso de cada um e quais os caminhos que trilharam até poderem exibir a sua medalha nos pódios da capital japonesa.
Por Afonso Coelho | 05 de agosto de 2021 às 22:08
Jogos Olímpicos 2020, Medalhas, Tóquio Foto: Getty Images

A edição de 2020 (ou 2021) dos Jogos Olímpicos já é a melhor participação de sempre de uma comitiva portuguesa, com até à data de escrita deste texto, os nossos atletas a já terem conquistado uma medalha de ouro, pelo triplista Pedro Pichardo, uma de prata, pela também triplista Patrícia Mamona, e duas de bronze, pelo judoca Jorge Fonseca e o canoísta Fernando Pimenta. Os Jogos de Tóquio representam também o maior número de sempre de entradas no medalheiro por parte de atletas portugueses numa só edição, ultrapassando as 3 de Los Angeles, em 1984, e de Atenas, em 2004.

Os responsáveis têm origens e percursos muito distintos entre eles, mas sem exceção foram alvos do orgulho dos portugueses pela prova de que estão entre os melhores do mundo das suas respetivas modalidades. O último dos medalhados, Pedro Pichardo, ainda não regressou a Portugal, mas será certamente também alvo de uma receção apoteótica à chegada, como sucedeu com Patrícia, Jorge e Fernando.

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Em baixo, pode conhecer um pouco mais da história individual destes quatro atletas que se cruzariam na Aldeia Olímpica de Tóquio, antes de meritoriamente conquistarem as medalhas que carregam ao peito pelos seus desempenhos na capital japonesa.

 

1. JORGE FONSECA 

Este bronze vale ouro

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Jorge Fonseca Foto: Getty Images

Nascido em São Tomé e Príncipe, aterrou em Portugal para viver na Damaia com 11 anos. O pai e os três irmãos ficaram por terras são tomenses, segundo Jorge, a mãe só conseguiu o visto para ele por ser mais novo e porque se iria para estudar, afirmou ao ‘Expresso’. Recorda também que tinha problemas na fala que tentou solucionar através de um terapeuta até que o custo se tornou insustentável.

Aos 13 anos começou a interessar-se por judo, apesar de a débil situação financeira não o permitir adquirir o equipamento necessário. Olhava pela janela da escola damaiense onde um dos nomes mais fortes do judo português da década de 1990, Pedro Soares dava aulas, e um dia, depois de pedir autorização à mãe, entrou para experimentar.

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Este foi o início de um caminho de inegável sucesso que teve de trilhar não sem embater em alguns obstáculos. Quando tinha 17 anos, e já depois de ter desistido (temporariamente) da escola no 10º ano, foi pai e necessitou de começar a trabalhar para conseguir sustentar o filho. Por esta altura, tornou-se impossível o foco completo no judo, onde competia na categoria de -100kg.

Contudo, já se havia tornado atleta do Sporting, onde era (e ainda é) treinado pelo anterior professor Pedro Soares, e ao ser integrado no projeto olímpico português, com ajuda dos fundos do clube de Alvalade, voltou a virar agulhas para o judo, com olho nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro.

Jorge Fonseca, 2016 Foto: Getty Images
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Só que por vezes a vida prega partidas quando tudo parece estar a correr bem e em 2015 foi diagnosticado com um tumor maligno na perna, mais concretamente, um osteossarcoma. Fez quatro meses de quimioterapia sem parar de treinar. Explicou ao Jornal Sporting que "quando fazia os tratamentos estava sempre maldisposto e tinha ali ao meu lado o meu filho que me fazia rir. Na altura dos tratamentos ficava arrasado, mas com ele ganhava força."

E depois da vitória mais importante da sua vida, rumou ao Rio, onde se estreou nas Olimpíadas. Foi eliminado na segunda ronda pelo checo Lukáš Krpálek e fez as malas. Voltaria cinco (e não quatro, como pensaria) anos depois a ver os anéis olímpicos, nos Jogos de Tóquio. Na capital japonesa, onde tinha vencido o primeiro dos seus dois títulos mundiais, conseguiu ultrapassar a desilusão das meias-finais – onde a pouco tempo de o cronómetro bater no zero, viu o sul-coreano Cho Gu-ham levar a melhor, por waza-ari – conquistando a medalha de bronze ao canadiano Shady Elnahas igualmente por waza-ari. Foi o primeiro português a inscrever o nome no medalheiro destas Olimpíadas, ao sexto dia de competição.

Depois do triunfo no combate de bronze, afirmou à RTP: "É saboroso, mas queria mais, trabalhei bastante para o ouro. Agora é trabalhar para o próximo, é trabalhar para estar no ouro em Paris", tendo também criticado duas marcas desportivas pela falta de apoio, apontando para o facto de ser bicampeão mundial e agora medalhado olímpico. Finalmente, lembrou o seu sonho de ser polícia, objetivo pelo qual acabou por concluir o 12º ano.

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2. PATRÍCIA MAMONA 

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Muito mais do que uma beleza rara

Patrícia Mamona Foto: Getty Images

Lisboeta de gema, Patrícia é filha de pais angolanos. Vivia no Cacém quando chamou a atenção a José Uva, treinador de atletismo, que a convenceu a juntar-se a Juventude Operária de Monte Abraão, onde iria começar um percurso repleto de conquistas. Apesar de ter predileção pelo triplo salto, chegou a competir noutras categorias.

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Decidiu prosseguir uma carreira académica na Faculdade de Medicina de Lisboa, mas considerou que Portugal era um país onde seria difícil conjugar ambos os caminhos e aceitaria uma bolsa para a Universidade de Clemson, no estado norte-americano da Carolina do Sul, onde as condições para progredir ambas as áreas estavam reunidas. Lá, foi bi-campeã universitária.

Chega ao Rio depois de ter batido o recorde nacional pela primeira vez em Helsínquia, quando foi vice-campeã europeia, e pela segunda em Amesterdão, quando melhorou a marca da capital finlandesa e venceu o ouro. No Brasil, é sexta, com a sua marca de 14,65m (mais uma vez recorde nacional) a ficar longe dos 15,17m da colombiana Ibargüen.

A partir daí tornou-se uma verdadeira personalidade em Portugal, inspirando jovens atletas pelo país fora, e a sua imagem levou-a a ser convidada para produções em revistas de moda. Teve até uma rubrica no famoso ‘Fama Show’, da SIC, com o nome de ‘Salto Alto’, com o intuito de entrevistar atletas portugueses, como são exemplos Jéssica Augusto, Fernando Pimenta, Cátia Azevedo ou Telma Monteiro. Inclusive nos meios sociais do seu clube, o Sporting, ganhou uma preponderância praticamente equivalente a qualquer jogador de futebol. Hoje em dia, poucos em Portugal desconhecerão o nome de Patrícia Mamona.

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Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash
Patrícia Mamona Flash

E quando foi a altura de rumar a Tóquio, era nela que residia uma forte esperança numa medalha… e com razão. Patrícia terminaria a final no segundo lugar graças a uma marca de 15,01m (e adivinhem? Recorde nacional), apenas atrás da ‘extraterrestre’ Yulimar Rojas, da Venezuela. Na ressaca da medalha de prata, relembrou que Portugal "é pequeno, mas é grande", incentivou todos a não desistirem dos seus sonhos e, mais tarde, ainda teve tempo para elogiar o Desporto Escolar, onde deu os primeiros passos, e encorajou ao investimento na iniciativa. Recebeu ainda uma dedicatória do atual companheiro, o velocista Diogo Antunes: "Esqueçam os vossos heróis, eu encontrei a minha. Ela é inigualável. Obrigado Patrícia."

 

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3. FERNANDO PIMENTA 

O canoísta polémico

O canoísta polémico

Fernando Pimenta Foto: Getty Images
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Natural de Ponte de Lima, é ainda hoje um dos grandes orgulhos da vila localizada no distrito de Viana do Castelo. Descobriu por acidente a modalidade onde seguiria carreira quando aos 11 anos deparou-se com a não abertura das atividades de natação que fazia no clube náutico local, registando-se na canoagem, por curiosidade.

Foi aliás a representar o Clube Náutico de Ponte de Lima em 2012 que participou nos seus primeiros Jogos Olímpicos, em Londres, na modalidade de K2 1000m, um ano depois de se ter tornado campeão europeu na Sérvia em K4 1000m – o primeiro de cinco campeonatos europeus que conquistaria, três deles em K1 1000m. Ao lado de Emanuel Silva, ganhou a medalha de prata, sendo apenas ultrapassado pela dupla húngara de Dombi e Kökény.

Quatro anos depois voltaria às Olimpíadas, no Brasil, onde participou nas categorias de K1 1000m e K4 1000m, mas acabaria por falhar as medalhas. Haveria de afirmar mais tarde que não conseguiu ser medalhado no Rio de Janeiro por "coisas que não podia controlar", referindo-se possivelmente às folhas a que atribuiu as culpas por ter perdido velocidade numa secção na prova de K1.

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Mas o percurso de Fernando Pimenta não passaria incólume a polémicas. Em 2013, separou-se do companheiro de K2, Emanuel Silva, porque queria competir sozinho, assunto sobre o qual o ex-colega afirmou na altura o ter deixado "um bocado triste pela forma como as coisas aconteceram." Contudo, as coisas entre os dois sanaram entre os dois e a boa relação parece estar recuperada, com Pimenta a ter dedicado a Emanuel Silva a medalha de prata nos Campeonatos da Europa de 2021 em K1 1000m, devido aos problemas de saúde pelos quais passou.

Em abril deste ano, em resposta a uma publicação do apresentador Jorge Gabriel sobre o caso na Justiça do ex-primeiro ministro, José Sócrates, afirmou: "Amigo, onde está o nosso Portugal? O Salazar de certeza que resolvia isto fácil." A contestação levou a que esclarecesse não apoiar as políticas do líder do Estado Novo, estando apenas a manifestar o desagrado pelo estado de coisas em Portugal e admitindo que o seu comentário foi "infeliz". Muitos não perdoaram, no entanto, o desabafo do canoísta.

Aproveitando a oportunidade para recuperar o estatuto de herói nacional, e já como atleta do Benfica, não desperdiçou os Jogos de Tóquio, onde, na final, conquistou o bronze, e a história repetiu-se, com dois húngaros, agora cada um na sua canoa, a separar o português do ouro, que foi para Bálint Kopasz. Depois de ter subido ao pódio, voltou ao sítio onde tudo começou, tendo sido recebido em euforia pelas gentes da sua terra, garantindo ainda "levar um grande pedaço do Fernando Pimenta de Ponte de Lima."

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4. PEDRO PABLO PICHARDO 

Puro ouro

Pedro Pablo Pichardo Foto: Getty Images
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Natural de Santiago de Cuba, a segunda maior cidade do país das Caraíbas, localizada na zona sul da ilha, é filho de Jorge Pichardo, treinador de atletismo – que para além do próprio Pedro, treina atualmente a colombiana Caterine Ibargüen, adversária de Patrícia Mamona – e interessou-se ainda muito novo pelo triplo salto, tendo começado aos 14 anos. Mudou-se posteriormente para Havana pela escassez de condições na terra natal e foi na capital cubana que começou a chocar com os responsáveis do país, após ter sido impedido de ser treinado pelo pai aos 21 anos.

Aí, a Pichardo foi designado um novo treinador, Ricardo Ponce, mas a relação entre os dois não correu bem e a inconformidade com a situação levou a que Pichardo fosse suspenso por seis meses: "Não tinha nada a ver com o professor Ponce, aconteceria com qualquer treinador, não estabelecemos uma dinâmica", afirmou ao ‘Cuba Si’, em 2016, frisando, contudo, que "estar fora foi positivo, não por ter sido castigado, mas porque refresquei os pés e a mente", garantiu o atleta, que já havia somado duas medalhas de prata nos Mundiais de Moscovo e Pequim, e ouro nos Jogos Pan-Americanos, no Canadá.

Na altura, já era treinado por Daniel Osorio, mas não por isso deixou de elogiar o pai: "Estou completamente adaptado a trabalhar com ele e a fazer as coisas à sua maneira, temos uma relação muito próxima", referiu o triplista que, em Cuba, era conhecido pela alcunha 4P, devido à aliteração no seu nome completo, Pedro Pablo Pichardo Peralta. Não demorou muito até surgirem novas tensões em Cuba, quando Pichardo sofreu uma lesão e foi pressionado para competir, não obstante a maleita, nos Jogos Olímpicos do Rio, que acabaria por falhar.

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Pedro Pablo Pichardo, Cuba Foto: Getty Images

Em 2017, deu-se o momento decisivo na carreira de Pichardo: desertaria em abril da comitiva cubana que se encontrava em Estugarda. Poucos dias depois fora convidado pelo Benfica para se juntar ao projeto olímpico do clube da Luz, que havia perdido Nélson Évora para o rival Sporting, e, no final do ano, iniciou o processo para se naturalizar português e competir com as cores lusas nas provas internacionais, que se concluiria em 2018 – uma rapidez que se justifica pelo estatuto de refugiado político do seu pai.

A celeridade nesta diligência não agradou a todos: Nélson Évora, triplista medalhado de ouro por Portugal, manifestou o seu desagrado e em espaço de meses perderia para Pichardo o recorde nacional – não seria a última vez que Évora criticaria o colega de modalidade. O Benfica sentiu-se obrigado a recorrer ao seu site para interrogar a RTP pelas declarações no ar do seu comentador, Luís Lopes, quando este denominou o triplista de ‘cubano de importação’ e criticou a Federação Portuguesa de Atletismo por ser conivente com estes desenvolvimentos.

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Inabalável perante tudo isto, Pedro Pichardo chega às Olimpíadas de Tóquio com a vitória na Liga Diamante de 2018 no bolso. À partida para a final é considerado o grande favorito ao ouro, favoritismo que acabaria por confirmar, trazendo a Portugal a primeira medalha de ouro nos Jogos desde 2008, e assegurando o melhor registo português de sempre, em termos de número de medalhados. No rescaldo da conquista, afirmou: "Eu saí de Cuba, para eles sou um traidor. Eu sou o primeiro triplista campeão olímpico nascido em Cuba, mas já não sou cubano. Agora faço parte do grupo dos cinco portugueses campeões olímpicos", frisou, de acordo com o ‘Público’, antes de revelar ter pensado na sua avó quando venceu o ouro, "a minha avó já morreu há alguns anos, eu saí de Cuba e continuei no desporto por ela, antes de sair falei com ela e ela deu-me autorização, mesmo sabendo que nunca iria voltar e que ela iria morrer sem eu a voltar a ver."

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