Todos choraram por Pedro Guerra. Portas perde fiel seguidor, Vieira o seu gladiador benfiquista, Ventura um apoio ideológico
Poucos foram os homens que fizeram jus ao nome que carregam de família. Pedro Guerra era guerrilheiro na defesa das suas crenças, terrorista no combate político e desportivo. Tirou o sono a muitos e ficou famoso pelos seus trocadilhos, muitos dos quais fizeram algumas das manchetes do 'Independente'.
Morreu aos 58 anos de idade Pedro Guerra, o jornalista, o homem das polémicas e dos trocadilhos. Foram da sua autoria alguns dos títulos mais engraçados do ‘Independente’ e da história do jornalismo português. Adora espicaçar e ter resposta. Provocar e gerar notícia. A sua crónica no 'Independente' chamava-se "Guerra à Vista" e era mais do que um belo trocadilho com o seu nome, era um verdadeiro campo de batalha de ideias, gerando conflitos e alimentando polémicas, denunciando quem se suspeitava que tinha prevaricado.
Saíram da sua cabeça alguns dos títulos de manchetes do semanário que nos anos 80 e 90 do século passado tiravam o sono aos políticos e empresários que tinham pisado o risco. A fama de Guerra vinha do tempo em que Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso formavam a equipa diretiva do jornal, o tiraram do arquivo e lhe deram um computador para escrever notícias. Guerra era a imagem de marca do ‘Independente’, uma publicação irreverente, combativa, despenteada e insatisfeita com as verdades unívocas, tal como mais tarde deu provas de ser polémico nos papéis de assessor e comentador desportivo na TVI.
NA PELEJA PELO SEU BENFICA
Gladiador sempre pronto para a batalha em defesa do seu Benfica, esteve no epicentro das acusações da existência de um alegado esquema de corrupção na arbitragem que era imputado ao seu clube do coração e que teria sido lançado por responsáveis pelo FC Porto ligados a Jorge Nuno Pinto da Costa, o então presidente.
É por todas estas razões que no seu funeral, esta quarta-feira, dia 20, em Cascais, chorou Luís Filipe Vieira, o ex-presidente do Sport Lisboa e Benfica. Chorou Paulo Portas, de que foi um fiel braço direito, primeiro no jornalismo, depois na vida política. E chorou André Ventura, o líder do Chega, uma amizade mais recente com afinidades clubísticas.
Na voracidade noticiosa do ‘Independente’ nem Luís Filipe Vieira escaparia à fúria ‘mancheteira’ do ‘Independente’. Tudo porque Pedro Guerra tinha descoberto que Vieira tinha sido condenado a uma pena 20 meses de prisão por ter "roubado" um camião de um rival em 1984 quando apenas era um comerciante em Alverca. Duas leis de amnistia apagaram o registo criminal de Vieira e um jantar promovido por um amigo comum acabou por unir dois homens que só agora a morte separou.
PELA BOCA MORRE O PEIXE
Finda a sua carreira jornalística aos 36 anos, Pedro Guerra segue para os corredores do Ministério da Defesa Nacional com Paulo Portas, o seu chefe no ‘Independente’, então líder do CDS e ministro num governo liderado por José Manuel Durão Barroso. Polémico quanto baste, não tardou até que os colegas jornalistas lhe fizessem a folha e o desmascarassem com a história de um alegado ordenado milionário, superior ao que o próprio Paulo Portas auferiria. Em Diário da República alguém escreveu que Guerra tinha direito a um ordenado de 4.888 euros brutos e o caso foi notícia escandalosa. Foi tudo negado pelo assessor de imprensa de Paulo Portas, que disse ter havido um erro que seria corrigido. A sorte é que o assunto morreu na espuma dos dias e Guerra só voltou a ser incomodado quando o ministro se metia em polémicas e trapalhadas.
O ALEGADO 'CONTROLADOR'
Se o ministro era um alvo fácil para as flechas da oposição socialista, não menos visível estava o seu assessor sombra Pedro Guerra e braço direito e esquerdo. Foi nesse contexto de alta tensão que Ana Gomes, a dirigente socialista encarregue da guerrilha política o bombardeou com acusações que nunca conseguiu provar mas que provocaram ruído suficiente para incomodar o assessor que tudo tentava controlar. Ana Gomes denunciou que Pedro Guerra teria sido o cabecilha de uma alegada "central de desinformação e calúnia de dirigentes do PS" durante o processo Casa Pia, que funcionava, segundo a eurodeputada, "junto do então ministro Paulo Portas", imputando a Pedro Guerra a função de ser "um dos principais agentes dessa central de desinformação", que alimentava a imprensa com informações que visavam alguns dos seus "camaradas" de partido, nomeadamente Paulo Pedroso, que chegou a ser preso e acusado de pedofilia e abuso de menores, e Eduardo Ferro Rodrigues, sobre quem caíram suspeitas de pertencer à rede de pedófilos da Casa Pia. Guerra veio dizer que Ana Gomes era um caso "que só a psiquiatria pode explicar" e que se tratava de uma "justiceira" com "falta de vergonha e de decoro".
UMA FERA NO COMENTÁRIO
Mimos corrosivos, ditos em diretos, foram às resmas no programa televisivo 'Prolongamento', na TVI. Bulhas infernais ocorreram com Eduardo Barroso, tanto que levaram o médico cirurgião sportinguista a abandonar o programa, e mais tarde com José Pina (outro sportinguista), ou mesmo com Manuel Serrão (defensor das cores do FC Porto) criaram a imagem de um comentador desportivo amado por uns, mas profundamente detestado por muitos.
Pedro Guerra ainda foi comentador de desporto na CMTV mas a doença acabou por o afastar definitivamente dos palcos mediáticos televisivos. Morreu dia 15 de novembro, vítima de um cancro, aos 58 anos.