
Em fuga há dois meses, João Rendeiro quebrou o silêncio pela primeira vez no início desta semana para falar da mulher, Maria de Jesus Rendeiro, que ficou para trás a braços com a Justiça portuguesa, acusada dos crimes de falsificação, descaminho, branqueamento de capitais e desobediência.
Na entrevista ao jornal Tal & Qual e à ‘CNN Portugal’, Rendeiro sublinhou que " em larga medida" a mulher "está a sofrer" por sua causa e que ofereceu "várias vezes" soluções para Maria deixar Portugal.
"Mas ela sempre rejeitou essa possibilidade. Não gosta de viajar e além disso é uma pessoa que gosta do seu cantinho, da sua conchinha, sobretudo dos seus três grandes amores, com os quais eu não consigo competir, que são as três cadelinhas que nós temos. A Joana, a Clara e a Boneca".
Contudo, no livro ‘Testemunho de Um Banqueiro - A história de quem venceu nos mercados’, da jornalista Myriam Gaspar, Rendeiro fala no gosto do casal para viajar e o desejo de Maria de viver fora de Portugal.
OS ANOS DOURADOS NUM "PAÍS CIVILIZADO"
Entre os exemplos, o ex-banqueiro menciona as viagens à neve, que faziam todos os anos, viagens pela Europa para ver as feiras de arte no verão.
Ao recuarmos no tempo, em 1977 Rendeiro deixou Maria pela primeira vez, por uma oportunidade que muito "ansiava": "Fazer o doutoramento, em Inglaterra, com uma bolsa do British Council". "A Maria apoiou-me, mas quando fui para Inglaterra sozinho, ficou triste. Sofreu um pouco com isso. Mas não tínhamos condições económicas para partirmos os dois", lê-se .
Logo que teve oportunidade, Maria juntou-se ao marido em Inglaterra. Viveram fora de Portugal durante seis anos e quando João Rendeiro pensou em regressar, a mulher tinha outra opinião.
"Por vontade da Maria, teríamos ficado. Ela adorava aquele país civilizado, tão distante do conservadorismo português. Mas eu sentia-me um emigrante de luxo. Estava fora do meu ambiente", disse o ex-banqueiro sobre o desejo da mulher de continuar fora de Portugal.
O que mudou então desde aí? Com o marido condenado em três processos a penas de 10, cinco e três anos de cadeia, e a própria Maria a ser investigada por suspeitas de venda das obras de arte de que ficou como fiel depositária, o que impediu a ex-secretária e ex-tradutora de fugir com o marido?
A HISTÓRIA DA BONECA, A NOVA "DONA 'DAQUILO' TUDO"
João Rendeiro disse na entrevista à ‘CNN’ que não consegue competir com o amor que a mulher tem às três cadelas: "A Joana, a Clara e a Boneca". No livro, lançado há 13 anos, o ex-banqueiro já falava na adoção de Boneca, Clara e Joana - os novos membros da família.
"Eu e a Maria, especialmente a Maria, adoramos animais. Já tínhamos mudado de Campo de Ourique para a Rua da Misericórdia quando um dia a Maria apareceu com um pardal em casa, tinha-o apanhado na rua e estava muito maltratado, quase a morrer. A Maria tentou de todas as formas que o pardal comesse, mas só conseguiu quando lhe ofereceu comida com a própria boca. O pardal, entretanto chamado Jeremias, pensou que a Maria era a mãe, começou a comer da sua boca e assim cresceu", descreveu Rendeiro sobre o primeiro animal de estimação da família.
"A Boneca, depois de um período inicial de adaptação mútua um pouco difícil, foi ganhando confiança e hoje [2008], com os seus 30cm de comprimento, domina a casa toda"
A morte do pardal deixou Maria "inconsolável". Foi quando Boneca entrou na família. "Vendo-a tão triste tive uma ideia que se veio a revelar brilhante. Comprei uma cadelinha Yorkshire Terrier que a Maria batizou de Boneca. A Boneca, depois de um período inicial de adaptação mútua um pouco difícil, foi ganhando confiança e hoje [2008], com os seus 30cm de comprimento, domina a casa toda. Arbitra quem sai, quem entra e quem fica no jardim, e ai de quem não entre nas suas boas graças. Um dia, um jardineiro estava a fazer uma reparação debruçado e a Boneca, não gostando da qualidade do trabalho, deu-lhe uma valente mordidela no rabo. O susto foi tal que desatou a fugir no meio da chacota geral", descreveu ainda.
A VIDA NAS 14 DIVISÕES DO LOTE 81 DA QUINTA PATINO
Rendeiro não mencionou na entrevista recente a idade de Boneca. Mas no livro contou que quando o casal foi viver no famoso lote 81 da Quinta Patino, com 14 divisões e mais de 400 m2 de área coberta, Boneca já fazia parte da família. "Quando mudamos para a Quinta Patino, a Boneca ganhou como amiga a Schnauzer Matilde e o vira-lata Gastão, apanhado na rua. É um trio inseparável, uma componente essencial da nossa vida", disse no mesmo livro.
Agora, Boneca tem outras amigas, Joana e Clara - os outros dois amores da dona com quem o marido João diz ser incapaz de competir. As quatro meninas - dona e suas cadelinhas - passam os dias na casa do condomínio de luxo, entre Sintra e Estoril, onde Maria de Jesus se encontra com pulseira eletrónica.
A LIGAÇÃO AO BRASIL
João Rendeiro exibiu no mesmo livro o seu gosto pelo Brasil e as ambições para a expansão do BPP naquele país. Ao contrário de outras viagens de negócios, Maria não aparece quando o ex-banqueiro fala desses investimentos, primeiro com o escritório em São Paulo e depois com uma escolha ambiciosa no nordeste, mais concretamente no estado do Ceará.
Em São Paulo, Rendeiro contava com amizades como a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a de um famoso consultor, António Hermann, atualmente sócio fundador na Integral Investimentos, com quem partilhava uma paixão, os Porsches. "Cada vez que vou à sua casa é obrigatório descer à cave para ver os troféus automobilísticos", disse.
Rendeiro descreveu também a boa relação com o ex-presidente brasileiro. "Em 2005, convidamos o Presidente Fernando Henrique Cardoso e 400 pessoas para um evento de grande impacto. Ficámos com uma boa relação pessoal. Sempre que me desloco ao Brasil, e ele tem disponibilidade, encontramo-nos. O mesmo acontece quando vem a Portugal. Fernando Henrique Cardoso é uma excelente companhia", contou.
Em São Paulo orgulhava-se do projeto imobiliário na Cidade Jardim e de uma concessionária de autoestradas, a OHL Brasil. Mas um investimento tinha várias frentes de apostas. "O imobiliário é aquela em que investimos mais significativamente. Em 2002, criámos o Ceará Investment Fund, através do qual concretizamos as operações no Ceará".
As operações em causa eram a criação do Aquiraz Riviera Golf & Beach Villas e outras construções que descreveu na altura em detalhes: "É o projeto mais ambicioso. Trata-se do maior empreendimento turístico da América Latina. É no Nordeste brasileiro, a 30 quilómetros do aeroporto de Fortaleza. Tem sensivelmente o tamanho da Quinta do Lago, com cerca de 300 hectares, e uma localização geográfica muito interessante, que permite ver o mar de qualquer ângulo […] Além de Aquiraz, adquirimos um novo terreno que dista apenas 300 metros daquele. Chama-se Lagoa do Catú. Aqui desenvolveremos um projeto imobiliário que aproveite as potencialidades da lagoa. Temos mais dois terrenos, cujos projetos estão ainda em elaboração".