
Passaram-se 18 anos, mas o tema mantém-se tão atual que, invariavelmente, volta aos escaparates. É um mistério sem solução, o crime por resolver e, apesar das diversas teorias, ninguém pode afirmar com certeza o que aconteceu no dia 3 de maio de 2007 no resort Ocean's Club, na Praia da Luz, no Algarve, e que culminou com o desaparecimento de Madeleine McCann, a poucos dias de completar o seu quarto ano de vida.
Esta semana, o tema está novamente na ordem do dia devido à libertação de Christian Bruckner, que a polícia alemã garantia ser o grande carrasco de Maddie. “Temos a certeza de que ele matou Madeleine McCann“, disse o procurador Christian Wolters em entrevista à CMTV, em 2022, mas sem provas cabais, nada mudou e o alemão saiu em liberdade.
Num caso em que há mais dúvidas do que certezas, deixamos aqui as quatro grande perguntas que continuam sem respostas, 18 anos depois de o caso ter acontecido.
O que ligava Christian Bruckner a Maddie e porque o alemão saiu em liberdade?
Há muito que o procurador alemão Hans Christian Wolters diz saber que Christian Bruckner é a chave para resolver o caso Maddie. Este ano e, numa corrida contra o tempo, a polícia alemã revirou poços, descampados e terrenos próximos da Praia da Luz para tentar encontrar algo que incriminasse o pedófilo, no entanto, nenhuma prova cabal o ligou à menina inglesa.
“Temos a certeza de que ele matou Madeleine McCann“, disse Wolters em entrevista à CMTV, em 2022. “Nós temos a certeza de que ele é o assassino de Madeleine McCann.”
Mas afinal, em que se baseia a forte convicção das autoridades alemãs de que Bruckner é o carrasco dos McCann? Ainda que não haja provas, há vários indícios que ligam o pedófilo a Maddie, a começar pelo facto de, naquela altura, ele residir nas imediações da Praia da Luz, no Algarve, onde constava de uma lista da polícia, de pedófilos. O seu 'currículo' de delitos neste sentido é extenso: além da condenação pela violação à turista septuagenária, há ainda registos de importunações sexuais a duas meninas, menores de idade, no Sul do País, onde seria também apanhado a roubar numa bomba de gasolina.
Viveu em Portugal durante largos anos, alternando com períodos na Alemanha, sendo que a mudança se terá devido a uma fuga à Justiça por um crime de abuso sexual contra uma criança.
Na altura do crime, o número de telemóvel que Christian Bruckner usava foi um dos 74 mil entregues à Polícia Judiciária pelas operadoras como estando ativo nas antenas que servem a Praia da Luz, com chamadas de longa duração, mas foi ignorado pelas linhas de investigação, que apontaram nesse sentido.
Por outro lado, e ainda que também não sirva como prova, Laurentiu Codin, ex-companheiro de cela de Bruckner, testemunhou em tribunal para garantir que este lhe contou que terá raptado uma menina no Algarve. “Contou-me que, em Portugal, fez alguns roubos. Estava numa região em que havia hotéis e pessoas ricas a viver. Disse que estava em algum sítio com uma janela aberta, contou-me isto. Estava à procura de dinheiro”, disse, em declarações citadas pela imprensa britânica.
“Disse-me que não encontrou dinheiro, mas uma criança e que a levou. Disse que, duas horas depois, havia polícias com cães em todo o lado, por isso saiu dali, afastou-se da zona”, relatou o romeno, de 50 anos.
O ex-companheiro de cela contou ainda que Bruckner lhe confidenciou que “estava outra pessoa com ele, com quem tinha tido uma discussão, alegadamente era a mulher dele”. E mencionou que o alemão lhe “perguntou se o ADN de uma criança pode ser retirado de ossos no chão”, refere o Mirror. Além disso, recordou que o alemão lhe disse ainda ter violado várias mulheres em Portugal.
O que é que aconteceu realmente naquela noite?
Se Bruckner tem ligação àquela noite, essa não foi uma tese tida em consideração por Gonçalo Amaral, antigo investigador da Polícia Judiciária, que desde o início aponta para a teoria de uma morte acidental de Maddie, com os pais, Kate e Gerry, a terem, mais tarde, simulado o seu desaparecimento para encobrir a negligência pelo facto de, alegadamente, a menina estar sozinha com os irmãos no momento da tragédia.
O caso não era, aliás, incomum. Na noite do suposto desaparecimento, os pais de Maddie e dos gémeos Sean e Amelie jantavam com um grupo de ingleses num restaurante a 50 metros do apartamento onde se encontravam a passar férias no resort da Praia da Luz. Segundo testemunhas e os próprios pais, este era um programa habitual, com Kate e Gerry, e eventualmente um ou outro amigo, a revezarem-se de 20 em 20 minutos para garantir que os meninos estavam bem. Terá sido depois das 22h00 que a mãe de Madeleine se terá apercebido do desaparecimento da filha, após uma dessas rondas de verificação.
No entanto, também este depoimento foi posto em causa. Por exemplo, a vizinha de cima, Pamela Isobel Fenn, também inglesa, que entretanto já faleceu, confidenciou à época que era comum as crianças ficarem sozinhas por um período de tempo mais alargado e que duas noites antes tinha ouvido Maddie chorar e chamar pelo pai durante mais de uma hora, e que o choro só parou quando este foi, então, ao quarto fazer a tal verificação. Pamela contou também que foi o próprio Gerry que lhe disse, através da varanda dos apartamentos, que a menina tinha sido raptada, numa altura em que todas as teorias estavam ainda em aberto.
Mais tarde, outras testemunhas ligadas ao Ocean's Club, nomeadamente uma funcionária de limpeza, deram conta de que um dia antes do sucedido, Gerry saía do quarto com um enorme saco, que parecia demasiado pesado para se tratar de lixo, no entanto o testemunho acabaria por não ter relevância. Outros funcionários, que acorreram ao quarto no momento da tragédia, dizem que Kate parecia mais interessada em chamar as televisões inglesas do que saber o que aconteceu à filha. No entanto, tudo não passa de teorias, teses e testemunhos, que vão perdendo gás à medida que os anos passam e o que aconteceu a Maddie parece também diluir-se no tempo.
Porque Gonçalo Amaral continua a insistir que os pais de Maddie são culpados?
Durante os 13 meses em que liderou a investigação de Maddie, que mais tarde passaria para as mãos da polícia inglesa, a Polícia Judiciária portuguesa ouviu formal e informalmente mais de 700 pessoas, fez perto de 500 buscas na praia da Luz, no que se traduziu em mais de 20 suspeitos, entre eles o casal McCann e os sete amigos ingleses, mas também Robert Murat, britânico, cuja casa onde vivia, a da mãe, foi revirada pelos investigadores, que chegaram a escavar no jardim. No entanto, a polícia nunca obteve indícios suficientes do crime.
No entanto, para Gonçalo Amaral, que seria mais tarde afastado do caso, ainda hoje é de pasmar como é que os pais de Maddie não foram, no mínimo, alvo de inquérito por terem deixado sozinhos três menores num quarto. Defendeu desde sempre que a menina teria morrido num acidente no apartamento e os pais teriam simulado o seu desaparecimento por forma de evitarem os constrangimentos a que estariam sujeitos pelo facto de terem deixado os filhos sozinhos. Uma teoria sustentada por vestígios de sangue que os cães pisteiros identificaram no interior do apartamento e que seria compatível com o da menina inglesa.
Segundo o próprio, os mesmos terão transportado depois o cadáver da filha num carro que alugaram e no qual também foram detetados os mesmos vestígios de sangue.
"Houve elementos da GNR que os viram na noite do alegado desaparecimento de Maddie. Segundo testemunhos da GNR, [os pais de Madeleine McCann] perguntaram onde era a igreja. Foram vistos entre as 4h00 e as 7h00. Depois, aparece outro elemento, que é uma viatura alugada vinte e poucos dias depois, onde há marcações, por dois cães, de odor de cadáver e de sangue e onde vêm a ser detetados vestígios biológicos, fluidos corporais. O laboratório inglês diz que num perfil de ADN de Madeleine McCann, composto por 19 alelos, são identificados 15. Para isso acontecer, o corpo teria de ter ficado num local frio, numa arca ou em algo parecido”, explicou à RTP Gonçalo Amaral, aquando do lançamento do livro 'Maddie, a Verdade da Mentira', contra o qual Kate e Gerry McCann agiram judicialmente.
Nessa obra, o antigo inspetor sugere que Kate teria estado muito perto de confessar o crime e que, indiretamente, foi deixando pistas de onde estaria enterrado o corpo da filha. "Começa a dar conta de algumas informações relativas à localização do cadáver da sua filha", lê-se no livro, que vai ser apresentado pelo juiz-conselheiro jubilado e ex-director da PJ, Marques Vidal. "Segundo a própria viria a afirmar, tais dados tinham-lhe sido fornecidos por pessoas com poderes psíquicos ou paranormais. Poderia o cadáver encontrar-se num coletor de esgotos que desemboca na praia da Luz, ou nos penhascos a nascente daquela praia, local em que, por vezes, praticava corrida", pode ler-se na obra, em que o comportamento dos pais é descrito como demasiado descontraído e não consonante com o pesadelo que viviam.
A teoria seria completamente descartada pelas seguintes linhas de investigação, nomeadamente as britânicas e alemãs, que priorizam a tese de rapto, sendo que a verdade ainda ninguém sabe ao certo.
Onde está Maddie?
Todos os anos, em maio, por altura do desaparecimento de Madeleine McCann e também pelo seu aniversário, os pais organizam vigílias, compram presentes que se acumulam no antigo quarto da filha e quebram o silêncio para se mostrarem destruídos para sempre, apenas os filhos gémeos, Sean e Amelie, hoje com 20 anos, a terem o condão de lhes devolver o sorriso. "Em casa, estamos quase sempre ocupados, como em todos os lares, mas há um vazio que permanece nesta família de cinco pessoas. Não é algo que fazemos conscientemente, mas a urgência de encontrar Madeleine mudou tudo", disse Kate recentemente, para explicar o seu calvário.
Apesar dos inúmeros falsos avistamentos da menina, das pistas que nunca deram em nada, das dezenas de suspeitos interrogados, das teorias, do diz que diz, das guerras de bastidores, Maddie é uma história sem final, não há corpo que comprove a morte, nem algo concreto que possa dar esperança a uma vida que ficou em suspenso em 2007 num cenário que deveria ser perfeito, na Praia da Luz.