
Nesta edição do Guia Michelin, Portugal arrecadou mais oito distinções e, com o novo ranking, o chef Vítor Matos tornou-se, de repente, no cozinheiro com mais Estrelas no nosso país: cinco. No entanto, nas redes sociais ou meios de comunicação social, praticamente não vimos colegas a darem-lhe os parabéns ou a enaltecerem o seu crescimento enquanto chef e não vimos porque, na verdade, essa união não existirá, em larga escala, no setor.
Quem o garantiu foi o próprio profissional premiado que, em entrevista ao 'Expresso', abordaria o assunto para afirmar que é a "pessoa mais odiada por alguma classe gastronómica em Portugal", mas que o facto de remar sozinho não lhe tira o sono, pelo contrário. "Durmo cada vez melhor", disse o líder de restaurantes premiados como o 2 Monkeys ou Oculto, que consolida o seu estatuto numa cozinha de alto nível, ainda que esteja longe de ser um dos chefs mais mediáticos em Portugal.
Para entendermos melhor esta guerra na classe, podíamos muito bem por começar por segmentar os chefs de acordo com as suas áreas fortes aos olhos do público: há aqueles como Vítor Matos que, apesar de não terem milhares de seguidores nas redes sociais, são procurados por uma determinada elite e reconhecidos pela sua cozinha de excelência, há os que granjeiam simpatia popular e cujo o esforço e talento são reconhecidos como casos de dedicação à profissão, como Marlene Vieira ou Noélia, os que aliam a excelência ao negócio, abrindo restaurantes em centros comerciais, transformando a sua mão para a cozinha numa espécie de franchising - neste grupo incluímos, por exemplo, Henrique Sá Pessoa ou José Avillez - os que cozinham para os famosos e são os preferidos das celebridades, como é o caso de Olivier Costa, ou as super estrelas da televisão, como Ljubomir Stanisic, que perdeu nesta gala a sua Estrela pelo restaurante 100 Maneiras.
Quando isso aconteceu, também não se ouviu nenhum colega a lamentá-lo. Aliás, em surdina aquilo a que se assistiu foi uma espécie de: 'estás a ver, não se pode ter tudo: ou és estrela ou és chef', aludindo ao facto de o bósnio ter passado a dedicar mais atenção à sua próspera e milionária carreira televisiva - à semelhança de casos internacionais como Gordon Ramsey - do que ao seu restaurante, com isso a refletir-se, alegadamente, na qualidade do serviço.
Se Vítor Matos garante ser o mais odiado é porque talvez nunca tenha vivido na pele de Ljubomir. O facto de, em 2020, o chef ter passado a receber cerca de 15 mil euros por mês na SIC não o terá ajudado a fazer amigos no meio e a isso soma-se um feitio mais assertivo do bósnio, para quem não há meio termo: ou gosta ou odeia.
Conhecida é a guerra com José Avillez. Depois de terem criado juntos o primeiro 100 Maneiras, em Cascais, o verniz estalou entre os dois, que terminaram a parceria. "Separámo-nos porque eu era uma besta do c*r*lho", confessou Ljubo, num almoço em que se reuniram, anos depois, enquanto Avillez retratava como era a loucura de trabalhar com o sócio num restaurante. "Este gajo queria atirar óleo à cara de um gajo que cozinhava pior. Já imaginava o outro gajo todo queimado. Doía-me o coração. Demo-nos mal em algumas coisas, mas demo-nos bem noutras. E mantivemos, apesar de termos criado rupturas, uma certa cumplicidade. Conseguimos estar sentados à mesa sem darmos biqueiros um ao outro", ripostou Avillez. No entanto, a amizade só foi restabelecida após uma espécie de período de 'nojo' em que os dois não se podiam ver à frente.
Goste-se ou não, certo é que Ljubomir se tornou numa das figuras mais mediáticas em Portugal, graças ao seu 'Hell's Kitchen'. E é sabido que o bósnio tem um feitio explosivo, mas aquilo a que dá vida na SIC não deixa de ser um reality show com uma espécie de guião estabelecido. No entanto, muitos colegas não se revêm na imagem que Ljubomir passa. A agora premiada Marlene Vieira já abordou o assunto para afirmar que o seu registo é diferente e que não acredita no talento do colega como formador. "Nunca trabalhei com o Ljubomir. Não sei se é ou não assim. O meu registo como cozinheira é diferente. Ele não é formador, pelo que sei, ou nunca foi. E por isso as pessoas que vão ter com ele é porque gostam daquele deslumbre. Há pessoas que gostam de sentir aquela pressão de bad boy. Vão para se superar, para ver onde aguentam", disse, afirmando que no programa Ljubo dá vida a um "boneco televisivo" e que as suas explosões são mais "fogo de vista". "Muita parra e pouca uva". Enquanto isso, alguns concorrentes, como Cândida Batista, acusavam Ljubomir de ser uma cópia barata de Gordon Ramsey. "É tipo uma versão 'Made in China', atirou.
É inegável que Ljubomir não goza de grande reputação entre os seus pares e, por exemplo, quando participou no Masterchef, Vítor Sobral, que já teve o bósnio como seu empregado na Cervejaria Lusitania, não lhe poupou críticas. Ainda que nunca tenha falado diretamente no seu nome, a verdade é que todos reviram o que disse na pessoa do polémico chef.
"Este concurso (Masterchef) pretende valorizar as pessoas e a sua parte emocional e valorizar o que é português. Muitas vezes criam-se mitos em relação à cozinha. Nós, na cozinha, tratamos bem as pessoas", esclareceu, detalhando: "Não somos mal-educados, nem com os colaboradores, nem com os clientes. A postura de um líder na cozinha tem de ser construtiva e não destrutiva. Os últimos tempos foram difíceis e a classe dos cozinheiros não passou a melhor imagem [aludindo ao episódio da polémica greve de fome em que Ljubomir participou], para o público e para a imprensa. Passámos maus bocados e fizemos coisas que não têm nada a ver connosco. E este MasterChef vem provar que podemos corrigir as pessoas de forma positiva".
OLIVIER, O CHEF DAS ESTRELAS
Se Ljubomir é, muitas vezes, ostracizado pelos colegas, num patamar semelhante pode muito bem estar Olivier da Costa, o chef queridinho das figuras públicas, que tem vários restaurantes de sucesso, populares nas redes sociais e palcos de grandes festas, mas que muitas vezes é olhado com alguma superioridade por parte dos colegas, que não o consideram um chef na verdadeira acepção da palavra, mas sim um empresário de sucesso que soube dar vida a restaurantes fancy, procurados por determinada franja da sociedade e turistas, os chamados espaços da moda - como o Guilty, Seen ou Yakuza - que dificilmente se coadunam com Estrelas Michelin. E para Olivier está tudo bem, porque na verdade foi o primeiro a dizer que, além de não se rever no conceito dos prémios do famoso Guia, nem gosta que o tratem por chef.
"Hoje já não cozinho porque tenho os meus chefs. Ser chef é estar na cozinha, no tacho, todos os dias. Os meios de comunicação chamam-me chef, mas eu não sou. O verdadeiro chef recebe o produto, faz as encomendas, faz a mise en place, cozinha com os empregados, faz o passe, vai para casa dormir cinco horas e volta no dia seguinte para fazer tudo de novo. Eu sou 'restaurateur'. Não estou na cozinha no dia-a-dia, mas sei da poda da cozinha, do serviço, da luz e da decoração, das fardas, do conceito em geral, sei da poda da localização e da sociedade, isto é uma coisa que muito pouca gente tem. Esse é o segredo do meu sucesso e não tenho problema nenhum em dizer que sou muito bem-sucedido. Nasci dentro de uma cozinha e vivi sempre dentro dos restaurantes, mas nunca tive a paciência para ser chef", disse sem problemas aquele que é filho de um aclamado profissional do setor, um dos primeiros a ser distinguidos com Estrela Michelin, o chef Michel da Costa.
Para Olivier, o sonho não é tanto replicar os feitos do pai, mas criar espaços em que a decoração e a vibe sejam tão importantes como aquilo que serve, depois, na prática, mesmo que isso o vete do reconhecimento no setor.