
Tomás Taveira é um homem divisivo, seja na obra arquitetónica, na academia ou na vida pessoal. Diz quem o conhece de perto que tem um feitio difícil, vocal, excessivo. Com 85 anos de idade, o seu percurso fica marcado pela polémica e pelo escândalo, que agora irá resultar num documentário para a TVI. Como arquiteto, ficará para sempre lembrado como o autor das Torres das Amoreiras, que na década de 1980 revolucionou a paisagem de Lisboa e dividiu opiniões, muitas vezes apelidadas de "mamarrachos" – não obstante ter recebido um Valmor, em 1982, pela zona residencial da Encosta das Olaias e uma Menção Honrosa do Prémio Valmor, em 1994, pelo edifício-sede do BNU (junte-se o desenho dos cenários da SIC, aquando do arranque da televisão privada então dirigida por Emídio Rangel, ou três dos dez estádios construídos para o Europeu de 2004, incluindo o José Alvalade, do Sporting). Chegou a ser apelidado de "papa" do pós-modernismo português.
Tomás Cardoso Taveira nasceu em Lisboa, a 22 de novembro de 1938, no seio de uma família que o próprio classifica como "muito pobre", filho de pai agulheiro da Carris e mãe doméstica. Tirou o Curso Industrial na escola Marquês de Pombal de onde saiu para ir trabalhar para a Carris como serralheiro. Em 1955, ingressa no atelier do arquiteto Nuno Teotónio Pereira como desenhador – trabalha também nos gabinetes de Luiz Alçada Batista, Manuel Laginha, Nuno Portas e Conceição Silva. Com jeito para os esquissos, começaria aqui a sua aventura pela arquitetura. "Desde miúdo que desenho muito bem. Qualquer tipo de coisa", justificou em determinada altura. Já casado com Amarílis Cristina, e à espera da primeira filha – tiveram dois filhos –, Tomás Taveira dividia-se entre o trabalho, as aulas – que frequentou com bolsa da Gulbenkian – e as tertúlias dos cafés Gelo e Montecarlo, onde conheceu os surrealistas e privou com António Marta Lisboa, Mário Cesariny, Carlos Leote, entre outros. "Acabei o curso tarde, porque não precisava de ter curso", referiu sobre o curso de Arquitetura.
Teve de lutar bastante para se impor entre arquitetos. Sempre olhou para a origem humilde como um óbice para ser levado a sério. "Para o Teotónio eu não era nada. (...) Quem ia para arquitetura era o filho-família, eu era o operário, fazia gala em ser operário, malandrão", disse em entrevista em 2020. "Isto ainda me enraiveceu mais em relação ao mundo, ainda me fez estudar mais, fazer sempre mais", assumiu ao recordar um incidente com Teotónio Pereira. Uma raiva e um ressentimento que haveriam de moldar-lhe o caminho e a personalidade. Até na forma da arquitetura, quase sempre disruptiva e provocatória.
1989, O ANO DA "DESGRAÇA" E O ESCÂNDALO
Mas a vida de Tomás Taveira ficará para sempre recordada pela infame cassete VHS de 30 minutos. O escândalo rebentou em 1989, o ano da "desgraça", quando o arquiteto vivia o auge do sucesso e da fama – para além do trabalho de arquiteto e dos negócios no imobiliário, era proprietário de discotecas como o Banana's, o Ad Lib ou o Twin’s, no Porto, e era habitual chegar de Rolls Royce-Royce às festas mais badaladas onde era presença assídua na companhia da mulher. Era, nessa época, uma das figuras mais mediáticas. Essa gravação haveria de espalhar-se por Lisboa como rastilho de pólvora entre as elites e, ainda hoje, pode ser vista em sites pornográficos.
A famosa cassete – cujas cópias de péssima qualidade acabaram por percorrer o País de Norte a Sul – continha encontros sexuais entre Tomás Taveira e várias mulheres, gravados à revelia das participantes pelo arquiteto, em 1987, no seu escritório da Avenida da República, com cenas de pornografia hardcore, num total desrespeito para com as parceiras de sexo ocasional, naquele que ficou conhecido como o "Caso Taveira". Muito se especulou, na altura, sobre a identidade dessas mulheres. Chegou-se a apontar nomes ligados à alta-sociedade. Outras, mais jovens, seriam estudantes do curso de Arquitetura em que Taveira era professor. O escândalo chegou mesmo a fazer abanar o Governo de então, liderado por Aníbal Cavaco Silva, que acabaria numa remodelação ministerial. O então ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, viu o nome envolvido numa alegada fuga ao fisco na compra de um apartamento precisamente nas Amoreiras, a fazer manchetes no 'Independente' de Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso.
Quando se referiu ao "Caso Taveira", a revista espanhola 'Interviú' mencionava que o escândalo envolvia "protagonistas da vida política e económica" portuguesa e "a atual Administração Política (e Pública) de Portugal", como recorda o 'Diário de Notícias'. Terá havido mesmo a tentativa de proibir a publicação da revista em Portugal. Mas esta era apenas a reprise do que tinha acontecido por cá meses antes. A 2 de outubro de 1989, a capa do n.º 2 da 'Semana Ilustrada' já tinha mostrado tudo ao portugueses. A tiragem de 150 mil exemplares esgotou num ápice. Ainda hoje é possível encontrar um exemplar "em bom estado" na OLX por 50 euros. No interior estavam escarrapachados os frames da porno-cassete que deixavam tudo a nú. Tomás Taveira ainda tentou evitar a publicação da revista, propriedade de André Gamboa Neves, apelidado de "Larry Flint português", mas sem sucesso. Em entrevista ao 'Expresso', em 1989, André Neves conta que teve um almoço de negócios com Tomás Taveira no Bananas, com os dois a gravarem a conversa. De acordo com o 'Diário de Notícias', voltariam a encontrar-se posteriormente no Ritz, onde tentaram um acordo de 36 mil contos (180 mil euros) sem resultado. As fotografias acabaram mesmo por sair para as bancas.
Um escândalo que abalou o País e condicionou o futuro de Tomás Taveira que começou a ser visto como 'persona non grata'. Houve vários processos judiciais, a 'Semana Ilustrada' acabou proibida e acabou por fechar sem nunca revelar a anunciada "continuação". O arquiteto divorciou-se de Amarílis Cristina e viu o meio onde tinha sido uma das mais ilustres figuras virar-lhe as costas. "Fui rejeitado pela sociedade portuguesa, cultural e politicamente. Em Portugal, os jornalistas não me deixam viver. Estes episódios apagam-me como português. Sou um indivíduo arrumado. A única coisa que me resta é o silêncio", lamentou-se então ao jornal 'Expresso'.