
Para quem não tenha percebido a dimensão do título 'Vingança', as explicações sobre as 550 páginas que se seguem chegam logo no prefácio do mesmo. "Meghan não expressava qualquer arrependimento ou receios agoirentos quanto à sua vida. Pelo contrário, estava entusiasmada. Havia anos que o seu destino era distinguir-se dos demais. Repetidamente frustrada depois de deixar a faculdade, o fracasso nunca a demovera. Agora a sua tenacidade fora recompensada. O seu golpe de sorte, milagrosamente, tinha-se materializado. Casar com um príncipe inglês era um prémio inesperado para alguém que procurava o Sonho Americano, de se erguer da obscuridade, para uma prosperidade respeitável". Estamos entendidos: este não é um livro sobre a relação de Meghan Markle com a família real real britânia. É sobre, Meghan, "the bitch". Simples.
Ao longo de 43 capítulos, o autor relata episódios marcantes de Meghan Markle em várias fases: antes do casamento - leia-se, família, vida na América, sonho e chegada a Hollywood - encontro com Harry e início do namoro, apresentação ao povo britânico e expetativas, casamento de conto de fadas e primeiros tempos... E depois: enfado da vida "de princesa", mudança de comportamento e deslumbre com as luzes, influência sobre Harry, conflito com a família real britânica e o passo em frente de querer trocar Inglaterra pelos Estados Unidos e arrastar Harry consigo. Finalmente: nascimento dos filhos, vida nos Estados Unidos, sonho e derrocada com projetos gorados, a entrevista a Oprah e o "divórcio" inevitável da família real - baptizada por Meghan de 'A Firma' (nome que, diga-se, podia ser de uma série de ficção com uma protagonista bem real).
Ao longo destes capítulos o perfil da que se tornou mulher do príncipe Harry e o "separou" da família - como o livro deixa claro - fica traçado, como se tudo, desde o primeiro momento, estivesse previsto como um plano pensado ao detalhe.
Pode até parecer o enredo de uma sétima ou oitava temporada de 'The Crown', mas é de vida real que se trata, espelhada em livro. A verdade é que, preconceitos à parte, a história de Meghan dá um filme e isso fica bem claro em 'Vingança'. O livro, com a chancela da Casa das Letras, foi lançado no início deste verão, mas só agora chega a Portugal, pronto para fazer as delícias dos amantes de uma boa trama palaciana.
Quando surgiu nos escaparates das livrarias britânicas, a obra fez correr tinta na imprensa e nos 'mentideros' televisivos que argumentam sobre os temas de sociedade. Afinal, o autor assumia que Meghan só tinha casado "por interesse" e que o sonho da americana era chegar a presidente do país que a vira nascer. As entrevistas sucederam-se, o diz que diz também, e o livro fazia uma "carreira" invejável nas lojas, chamando as atenções e vendendo que nem ginjas.
Mas o que distingue esta obra das demais? O que levou Tom Bower a este "acerto de contas" com a mulher roubou o príncipe Harry ao seu país e àquilo que se julgava ser o papel deste na coroa?
'Vingança' é um livro para apaixonados pela coroa que vai "irritar" os defensores de Meghan. Por exemplo, a família da americana e a educação da jovem Meghan têm um papel determinante na obra ao serem apresentados, mesmo que isto não seja dito literalmente, como definidores de caráter da futura duquesa. Thomas Markle, o pai, é personagem principal na primeira parte da história. É ele quem cria a filha - quando a mãe passa a viver meses fora de casa - é ele quem puxa a filha para a televisão - já que participa em séries como 'General Hospital' - e a incentiva a tentar a sua sorte. É também ele que fuma canabis na cozinha com a mulher...
As questões de raça, a admiração por Diana Spencer e pelo casamento de conto de fadas da princesa de Gales com Carlos ficam também bem espelhados no crescimento da jovem Meghan e da sua ânsia de fama e aplausos. Só depois vem o resto, como consequência e aproveitamento do papel pelo qual lutou e que lhe foi proporcionado. E que não quis, de acordo com o descrito pelo autor, que parasse de crescer. É assim que Bower explica a "ambição de Meghan" - ou o "plano", palavra que usa amiúde para descrever as ações da antiga duquesa - em ser "influencer", por exemplo.
Assim, após uma primeira parte que traça -de acordo com as pistas que o autor dá - o carater de Meghan, chegam enfim as descrições pormenorizadas (e um pouco romatizadas) dos episódios já conhecidos do grande público: as discussões, o dia em que Meghan fez Kate chorar, as viagens com Archie (e as viagens que recusou fazer), a entrevista a Ophra, a guerra de irmãos... Portanto, se estiver pre-disposto a pensar que "esta mulher não vale mesmo nada", esta é a obra a ler neste Natal. Se, pelo contrário, olhar Meghan como uma valentona, esqueça: o melhor é procurar no YouTube a entrevista polémica, chorar com Meghan e repetir, "ninguém merece uma família destas". E esperar pela nova temporada de 'The Crown' que já poderá ter esta nova personagem entre os convivas. Aceitam-se apostas se será Meghan a fazer dela própria. Afinal, a produção é Netflix, a "sua casa".