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Mário Augusto devastado com a morte do amigo Faria, repórter de imagem da SIC: "A vida não é justa"

O antigo repórter da SIC revive momentos que passou com Fernando Faria, com quem viveu aventuras mil em vários cantos do mundo.
22 de novembro de 2020 às 15:23
Mário Augusto, Fernando Faria Foto: Flash

Mário Augusto, que durante muitos anos vestiu a camisola da SIC, recorda algumas das aventuras com Fernando Faria, o repórter de imagem que durante duas décadas trabalhou na televisão de Paço de Arcos, e que morreu este sábado, aos 48 anos, em Moçambique.

São várias as caras conhecidas da SIC, ou que já trabalharam na SIC, que recordam o colega, que morreu cedo de mais. 

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Mário Augusto usou as redes sociais para lamentar a partida do amigo, num longo e emocionante texto.

"Morreu o Faria!...acredito que para muitos será uma tristeza de relance, a notícia pouco dirá a milhões; no entanto para milhares de amigos em todos o mundo – e é mesmo em todo o mundo – esta é uma notícia que dói, daquelas que nos faz pensar que a vida não é justa, pelo menos aos nossos olhos, porque ceifa a eito sem avaliar a perda que causa. Ele só tinha 48 anos, mas vivências de exagero e paixão a dobrar.

Quem disse que um homem não chora não sabe o que é uma dor de alma. Este fim de semana ele morreu em Pemba - Moçambique - o meu querido amigo Fernando Faria. Não quero sequer falar do grande repórter de imagem que conheci há quase 30 anos.

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Os que se preocupavam com ele, sabiam do difícil e frágil estado de saúde. Os que privaram com ele, estavam a tentar tudo para o trazer para Lisboa, garantindo tratamentos mais eficazes, talvez um fim de vida mais aconchegado de amigos.

É estranha esta sensação de falar de quem partiu, sentindo como se ainda cá estivesse…e está.

Ninguém é perfeito, ele também não, mil pecadilhos lhe aponto, fragilidades que deixaram certamente marcas nos filhos e em quem por ele se apaixonou. Sempre se deixou ir naquela simplicidade de entrega plena como quem pede carinho dando.

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O Faria está em cada um dos que gostava e eram muitos, pelo que deixa de saudade, na esperança de algo que não sabendo - nem se toca com o olhar – nos dá aquela sensação de um caminho feito porque a geometria do universo assim desenhou numa linha constante contra o tempo. O tempo dele foi breve na medida que temos. Ultrapassou-nos a correr no pelotão da vida. Nem cinquenta anos tinha, era um grande repórter de imagem, mas o que vou guardar é o sorriso, um sorriso franco, uma gargalhada sonora, uma resposta desconcertante sempre pronta, sempre a rir mesmo quando não tinha vontade, saia-lhe assim, sem contar.

É isso, o sorriso é o que vou guardar enquanto a memória me deixar. Guardo a expressão constantemente feliz porque me leva a mil histórias que vivenciamos juntos em trabalho, tantas viagens e mais um copo só para acabar.

Fizemos juntos centenas de reportagens, era para mim o Corto Maltese, conheci-lhe mil e namoradas e outras tantas paixões. O charme que lhe saía mesmo sem querer, fazia dele um eterno miúdo encantador, mas por dentro... sabe deus!. Foi realmente uma eterna criança triste e pronta para adoção. Viveu quase sempre só apesar de guardar o mundo em casa de portas abertas.

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Uma vez estávamos a trabalhar juntos na véspera de Natal, ao fim do dia perguntei-lhe com quem iria passar a consoada. Na gargalhada dele disse: - "Então!?...comigo e com o Bushmills (o whiskey de malte que mais gostava e que muitas vezes lhe fazia companhia). Não foi preciso insistir muito para o trazer a passar o Natal com a minha família numerosa.... Foi uma festa, tivemos um pai natal que até do telhado desceu...as barbas postiças ficavam-lhe a matar. Lá estava a criança a procura de adoção. O Faria falou desse Natal o resto da vida, naquele ano em que se disfarço de pai natal, em que foi acarinhado por uma família que não tinha.

Outra vez no Brasil, estávamos na Baia a entrevistar o Caetano Veloso, enquanto preparava a câmara, já estava a contar anedotas ao Caetano, mal terminei a entrevista, convenceu o músico a ir com ele a um telefone público ali ao lado, só para o pôr a falar com uma nossa amiga, (a Mimi, produtora na SIC Porto) e lá esteve no bate papo com o Caetano Veloso que já era de abraços com o miúdo Fernando Faria.

Um sedutor, sempre com um brilhozinho nos olhos, altruísta e aventureiro.

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Todos temos falhas de sistema, um dos defeitos do Faria era o desajuste dos fusos horários sempre em atraso, para ele as manhãs tinham um difícil acordar, mas quando chegava, parecia que o dia já ia a meio e a correr sempre bem. Em desespero. Dizia-lhe às vezes: - "Essa tua boa disposição irrita-me tanto!".

Uma vez em Los Angeles, a polícia multou-nos por mau estacionamento. Foi uma experiência especial entre muitas as que tenho com o Faria, acabou a combinar com o agente um bom sítio para tomar copos à noite. Ficamos lá uma semana e ele trouxe amigos para mais de um mês.

Merecia um filme só para contar as suas aventuras, aquele charme contagiante que lhe revelava bondade e bom viver com pouco, bastava-lhe um whiskey, ou um bom tinto, uns cigarros e a noite já não se deitava.

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Outra vez fomos juntos em reportagem a Nova York, em cada loja que entrava fazia os amigos de ocasião. Acabado o trabalho em Manhathan eu regressei a casa, ele ficou em Nova York, seguindo direto para a Colombia numa outra equipa reportagem que já estava á espera dele. Fazendo horas para o avião, decidiu deambular pelo bairro de Queens em NY, fiquei a saber mais tarde que acabou a contar história em amena cavaqueira com um sem abrigo a quem pagou o almoço, amigo do momento e que mesmo uns meses depois - de vez em quando - ligava para a SIC Porto em "ColectCall" para falar com o Faria, para saber dele e contar mais historias.

Quem esteve em Timor com ele em reportagem naqueles tempos difíceis da independência, conta histórias incríveis de como se aculturou com aquelas gentes, as aventuras que protagonizou, as paixões que acumulou de pinga amores, os perigos, as tais histórias que davam um filme, entre o drama, o romance e a aventura com toques de comédia.

Esteve em Timor vários meses em reportagem, dizem-me que às vezes chegava as aldeias com o Xanana Gusmão e o povo quando via a câmara do Fernando riam de contentamento, aplaudiam por verem o amigo gritando entre risos de alegria: "Tuasabo" (aguardente timorense com que o Faria brindava entre eles).

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Ele sabe, ou melhor…ele soube, (falámos muito destas palavras que alinho numa homenagem que afaga a dor como um analgésico da alma) que a vida é sempre curta se a vemos como uma ponte que liga duas margens. No meio dessa travessia, há nevoeiro cerrado de vidas que não nos deixar ver o outro lado. É aí que os amigos do Faria hoje estão, no meio do nevoeiro da tristeza pela perda.

Ao Fernando Faria a minha homenagem de amigo. Por vezes conselheiro, outras, ouvinte atento e entusiasmado pelo que ele contava.

Sorte a minha de te ter conhecido, mesmo com essa boa disposição que às vezes me irritava, mas era contagiante.

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O mundo seria tão diferente se os bons não partissem cedo, ou porque não!... se fossem eternos?

Um abraço em dia triste, ficam as histórias para contar. A SIC também foi feita pelo Fernando Faria que chegou lá miúdo e filmou como ninguém porque ele via a vida com o coração de um sedutor apaixonado", rematou Mário Augusto.

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