
[o evangelho dos filhos da puta]
O homem senta-se,
cigarro na mão,
e procura o fim da faca, o centímetro onde
a dor deixa de doer e passa a matar.
Somos todos viciados na morte,
no fogo que aquece as veias:
tragam-me um erro e faço
dele um deus.
Palavra do senhor.
A ferida está dentro da pele,
dói-nos o interior do sangue,
a parte de trás da cicatriz:
cura-se a carne mas não o sonho.
Somos todos viciados nas lágrimas,
no medo que fica nos ossos:
tragam-me um culpado e faço
dele um deus.
Palavra do senhor.
Então o homem apaga o cigarro
com o muro,
lembra-se do que nunca mais poderá ser,
e que nunca foi,
e encontra o abismo da lâmina,
a alienação da cicuta,
o milímetro onde o fim deixa de
acabar e passa a esmagar.
Somos todos viciados na infância,
no futuro que ficou no passado:
tragam-me uma desilusão e faço
dela um deus.
Palavra do senhor.
Finalmente o homem
soube o caminho,
atrás dos passos vieram
as lembranças,
nada ficou,
nem ele,
no metro quadrado exacto onde
a esperança deixa de expiar e passa
a humanizar.
Somos todos viciados no vício,
na dependência que humaniza o pecado:
tragam-me um filho da puta e faço
dele um deus.
Palavra da salvação.
Sabotar: v. Acto de "desamoração" de algo; só o que não tem amor falhou. Nada do que foi feito com amor foi mal feito.