
Encontrámo-nos vinte anos depois e parece que foram vinte minutos. Pelo menos por dentro, porque por fora há mais gordura do que formusura, mais recordações do que sonhos, talvez — mais vontade de conquistar cada segundo do que passa diante de nós.
L. é o rei da festa. Conta histórias em barda, faz rir, ri e parece que a vida é, para si, uma espécie de celebração contínua. E é. E tem de ser.
A vida se não é celebração contínua, ou pelo menos a procura da celebração contínua, é um tédio contínuo.
N. diz uma frase com seis palavras e quatro palavrões e apetece-me fazer dela, da frase, um mantra incontornável.
As melhores frases são as que chegam sem filtro mas com gente.
A comida chega, farta e temperada, como tem de ser. A conversa continua, as lembranças prosseguem.
A amizade é fazer de cada lembrança um motivo para criar mais lembranças.
S. é e será sempre o líder, por mais que os anos passem e as hierarquias desapareçam. Ri com força de tudo o que lhe é atirado com força e nota-se-lhe no olhar a saudade que não passa — a saudade que não passa de cada um de nós.
Por mais que o tempo passe nunca a saudade deixa de acontecer. Nunca se mata uma saudade; só se alimenta, a cada saudade morta, uma nova saudade prestes a nascer.
T. é o nosso campeão. Sempre com as palavras certas, com o sorriso certo. Viajou para terras estranhas e conta histórias estranhas. Nada estranha é a maneira como a empatia entre quem se gosta nunca se esgota com o passar dos anos — antes se torna mais densa, mais forte: mais humana.
A idade tira tanta coisa mas traz espessura: uma espécie de capa de erros que fomos cometendo e que nos faz mais pessoas.
C. e M. estão frente a frente e são calmos e expansivos em doses iguais. Sempre foram assim. Há coisas que nunca mudam, e ainda bem.
Ao lado, B. é um sorriso constante. Nunca diz que não a uma boa piada e aqui e ali manda as suas bicadas, sempre assertivas, sempre certeiras.
Somos um grupo mais coeso do que nunca: tivéssemos agora de entrar em campo e seríamos imbatíveis nisso — na capacidade de nos conhecermos tão bem que na fragilidade do outro lá estaria eu a salvá-lo com exactidão cirúrgica, e na minha fragilidade lá estaria o outro a salvar-me com exactidão cirúrgica.
Nada derrota uma equipa em que todos se conhecem com exactidão cirúrgica.
Não nos vemos há décadas e sabemo-nos como se nunca tivéssemos estado afastados.
Ao meu lado, S., o grande, é o mais discreto — mas nunca o mais distraído. Sente e aprecia. Disfruta. Aposto que guarda o melhor que lhe acontece numa caixa inexpugnável e é assim que segue em frente.
Viver é pouco mais do que isso, na verdade: guardar o que de melhor nos acontece e seguir em frente.
É isso o que eu vou fazer desta nossa noite, prometo. Façam o mesmo.
Sábio: adj. Aquele que descobriu que de nada vale o saber quando não existe o sentir. Quem sabe de tudo menos de amor não sabe de nada, na verdade.