"Culpo-me por todos os é tarde demais."
Ela disse-lhe isto e ele percebeu que estava diante da mulher que procurara a vida toda – ele que nunca procurara qualquer mulher ao longo da sua vida toda. Estavam na entrada de um espectáculo de teatro e ambos haviam chegado atrasados. Olharam-se e sorriram quando viram a porta fechada. Era irreversivelmente tarde demais para o que o iria ser mas estavam perfeitamente a tempo para o que teria de ser. A vida raramente é o que iria ser, e mesmo assim somos sempre todos o que temos de ser. Amar é o que ninguém imaginava que iria ser e que depois já toda a gente sabia que teria de ser.
"Não quero saber se acreditas ou não em extraterrestres; quero é saber se acreditas ou não na humanidade."
Ele respondeu que sim, mas acrescentou que se ela lhe tivesse perguntado uns minutos antes, antes de a conhecer, a resposta teria sido claramente negativa. Há momentos na vida que nos fazem mudar aquilo que somos – mas se calhar esses momentos são apenas os momentos em que finalmente descobrimos aquilo que somos.
"Morrer não é deixar de respirar; morrer é ser esquecido."
Ela tirava-lhe mil fotos – mesmo isso: rigorosamente mil – por dia para nada se perder, para nunca se esquecer do que estavam a passar. Queria documentar cada instante, cada evolução. Um dia saberia que também as fotografias, que ela imprimia religiosamente todos os dias e em vários exemplares (tinha uma segunda casa, a que chamava casa da eternidade, onde guardava todas elas), iriam ser esquecidas. Mas demoraria muito mais tempo, até porque enviava também milhares de exemplares por correio para destinatários que escolhia aleatoriamente. O segredo para sermos lembrados é não termos medo de nos espalharmos – nem que seja ao comprido.
"Desperdicei toda a vida economizando-a."
Ele só o entendeu agora, depois de a conhecer, depois de conhecer alguém que tudo o que não é economizar. Só economiza quem não tem; quem tem partilha, propaga, leva mais longe. Só economiza quem não tem e pensa que tem – mas que, ao não partilhar, apenas quer esconder que nada tem para partilhar. Quem tem substância partilha-a mesmo que não queira. Não são os egoístas que não dão; são os ocos – que se chamam egoístas para não perceberem que são ocos. Amar é a partilha do que é só nosso, e que mesmo depois de partilhado continua a ser só nosso; mais ainda: amar é dar o que é nosso e perceber que depois de darmos tudo o que tínhamos ficamos com o dobro ou o trilo daquilo que tínhamos. Qualquer um dá tudo o que tem – mas só quem nunca teve nada fica sem nada depois de dar tudo o que tem.
"Sei muito sobre as pessoas pelo que elas escolhem ver em mim."
Disse ela quando viu os olhares de espanto no momento em que o beijou de língua no meio da igreja do meio-dia na aldeia em que ambos viviam. E tu: o que viste nela?
Mito: s.m. Narrativa inventada para justificar fenómenos inexplicáveis – como viver, por exemplo. A realidade é a diferença entre as invenções credíveis e as invenções que não têm pés nem cabeça – e são estas últimas, habitualmente, as que mais próximas estão do que é real. Nada do que é coerente muda alguma coisa. Houve um dia um amor coerente que valeu a pena – foi aquele que servir para provar que não existe amor coerente, Deus o tenha e bem longe daqui.
