
(manual do absurdo para totós)
E a única, na verdade. Percebemos o que nos envolve, o que somos capazes de assimilar emocionalmente. O resto podemos até entender – mas não fazemos o mínimo esforço para perceber. Podes até achar que perceber e entender são a mesma coisa – mas são bem diferentes. Um dia vais perceber – ou pelo menos entender. Já não é mau.
Escreve-a, preenche-a, rabisca-a, rasga-a se te apetecer, mas por favor não te deixes regular por algo que manifestamente, e infelizmente, não existe. Está na tua mão tudo o que está na tua mão. Faz do que fazes o que realmente fazes de ti – ou estarás a fazer pouco de ti. Há muito que te escapa mas há muito que te pertence. Explora-o. Já não é mau.
Quem não tem dúvidas é certamente um idiota, e tenho dúvidas sobre se será sequer uma pessoa. Ser pessoa é hesitar, ficar a meio, não saber muito bem quem é, de onde vem e para onde vai. Se não sabes para onde vais mas sabes que vais: vai. Vai mesmo. O bom do incerto é a infalibilidade de uma surpresa. Já não é mau.
O que nos define é, em grande parte, o que desejamos: o que faríamos tudo para conseguir. A falta de desejo é uma morte escondida, uma bosta bem-cheirosa. Alguém que deseja tudo e mais alguma coisa é alguém, no limite, vivo de mais – mas não creio que exista mesmo algo de mau em estar vivo demais. Viver é algo reservado a uma elite de loucos – e não viver também. Escolhe o teu lado favorito da loucura. Já não é mau.
És, por mais básico que possa parecer há quem não o veja (ou pelo menos quem não haja mostrando que o sabe), o começo e o fim de ti. Tens de optar entre um e outro: ou começas-te ou acabas-te. Prefere a que tem mais futuro. Já não é mau.
Sonhos que não passam de sonhos nunca mudaram o mundo. O que munda o mundo são os sonhos que deixam de o ser: sonhos frustrados, que se transformam em realidade conseguidas. Para que essa metamorfose aconteça, é importante colocar exactidão na demência: criar uma demência com causa. Encontra a tua. Já não é mau.
Somos emissores e receptores de tudo o que somos. Vemos no outro o que somos: olhamo-lo à luz do que nos olhamos. És responsável por tudo o que és – o que, por mais que te custe, significa que és da mesma forma responsável por tudo o que não és, por tudo o que não foste capaz de ser.
Temos bugs, temos problemas de hardware, de software, há sempre upgrads para fazer, novos programas para instalar. Somos todos versões betas do que podemos vir a ser. Somos sistemas altamente falíveis, terrivelmente capazes de crashar (creio que terei batido, aqui, o recorde nacional de palavras estrangeiras num texto em português, escusam de aplaudir), infinitamente a precisarem de melhorias. O nosso trabalho é conseguir entender de onde vêm as melhorias que interessam – que vão melhorar o nosso desempenho – e de onde vêm as desmelhorias que não interessam – que só vêm colocar mais ruido no interior do nosso sistema. Na melhor das hipóteses somos sistemas caducos, finitos - prontinhos a ser substituídos por modelos novinhos em folha e que riem das nossas limitações - a médio-prazo. Já não é mau.
Seguir uma corrente é prenderes-te com uma corrente. Caga em quem quer impingir-te uma forma de pensar, tal qual eu acabei de tentar fazer contigo. Escolhe a tua corrente e mesmo assim prende-te a ela de forma leve, para poderes fugir quando sentires que tens de te pôr a andar. És a tua corrente de pensamento, e de ti dificilmente conseguirás escapar. Já não é mau.
Medo: s.m. Fraqueza só sentida pelos corajosos; o vencedor não é o que chegou primeiro à meta – é o que superou mais medos até chegar até lá. Forte não é o que consegue levantar-se; é o que não receia cair.