
"Quem amar receberá subsídio."
Decreto-Lei 12/016
No parlamento, ninguém queria acreditar; mas confirmava-se: o Governo, empossado há menos de uma semana, acabava de anunciar, com pompa, circunstância e nenhuma sombra de vergonha, aquele que era o seu plano de acção, no qual uma directiva era absolutamente incontornável – "urgente" foi a palavra usada pelo primeiro-ministro quando o expôs: combater as elevadas taxas de desamor que, segundo estudos e estatísticas recentes, estavam a tomar conta do país.
"Não se se vive sem pão nem sem amor."
A frase, proferida com a entoação que os políticos sempre dão (ou tentam dar) às suas palavras, ecoou forte em todos os grupos parlamentares, um burburinho tomou conta das pessoas, poucas, que assistiam ao decorrer dos trabalhos.
Estava oficialmente aberto o debate.
"É uma vergonha o que este Governo está a tentar fazer."
O líder da oposição, visivelmente desapaixonado pela vida desde a derrota nas eleições, parecia querer defender apaixonadamente a sua posição, que consistia em algo muito simples: não se ama por decreto.
"O amor a quem o pratica."
Um dos deputados tentava, dentro do possível, ter uma palavra a dizer no debate – mas a missão tornava-se complicada: não sabia, ninguém sabia, na verdade, que aquele tema poderia vir à baila. Onde é que já se viu a Assembleia da República tratar de assuntos menores como o amor quando poderia perfeitamente estar a debater o aumento do salário mínimo ou a importância de revogar imediatamente o novo acordo ortográfico? Uma vergonha, é o que é.
"Vamos exportar amor, é?"
A pergunta, colocada com o tom sarcástico de quem pensa ser brilhante e é apenas estúpido, é de outro dos deputados da oposição, e recebe, desde logo, uma reacção unânime: os membros da sua própria bancada
aplaudem, os membros da bancada do Governo também aplaudem e ainda sorriem, o que provoca a incredulidade de todos os outros: se quando são atacados se mantêm doces, o que raios os tirará do sério?
"A política ou é amor ou é fraude."
É novamente o primeiro-ministro quem contrapõe, ao mesmo tempo em que abraça, sem motivo aparente, os seus ministros, um a um, e promete fazer o mesmo a cada um dos deputados que estão na Câmara.
"O amor é uma coisa fantástica. Toda a gente deveria ter um."
É assim que o próprio presidente da Assembleia da República, que claramente tem Facebook e vê aquelas citações avulso que por lá pululam, dá por encerrada a sessão, no meio de abraços e carinhos que todos, sem excepção ("se não podes odiá-los, ama-os", terá sido a frase-chave de uma circular interna que os grandes partidos da oposição receberam das suas chefias), vão trocando por todo o lado.