
No último fim de semana precisei de ler. Li, li, comprei jornais e revistas que devorei em casa, cruzando o que lia com pesquisas na net. Não contente ainda decidi comprar um romance ‘novo’ que comecei a ler. Tive a sorte de uma gripe me obrigar a ficar em casa e me dar a coragem suficiente para não me perder em convites, ideias e passeios só porque sim, que nos confundem o dia a dia. Li porque precisava parar. Li porque me sentia estúpida. Li porque estava farta da leveza que nos arrasta na espuma dos dias.
Quarenta e quatro por cento dos eleitores norte-americanos formaram a sua intenção de voto com base nas suas leituras nas redes sociais. Os números não são meus, são do 'New York Times' que escreveu artigos e mais artigos sobre a forma como as mesmas redes estavam a influenciar a opinião pública, pela forma como a informação (verdadeira e falsa) é difundida entre os "amigos" nesses mesmos feudos de conceitos preconcebidos que moldam o nosso comportamento, atitudes, forma de lidar e opinar sobre o que nos rodeia. São estas redes de amigos, que escolhem os temas que lhes interessam, que têm algo a dizer sobre tudo, que mostram os seus animais de estimação e os abandonados, que revelam o que vão jantar, que comentam a vida alheia e fazem da sua um verdadeiro desfile de glamour e posses. São estas mesmas redes de amigos, que atualmente decidem os destinos do mundo. Afinal, elegeram Trump, afinal recrutam para o Daesh, afinal são o novo grande poder.
São estas redes de amigos, que escolhem os temas que lhes interessam, que têm algo a dizer sobre tudo, que mostram os seus animais de estimação e os abandonados, que revelam o que vão jantar, que comentam a vida alheia e fazem da sua um verdadeiro desfile de glamour e posses.
Daí que não seja de estranhar que a nova palavra que define 2016 seja "pós-verdade". O que quer isto dizer? Segundo o dicionário Oxford, a palavra surge (evidentemente) na sequência do Brexit, das eleições americanas, e, digo eu, no seguimento de tudo isto que estamos para aqui a discutir. Mas o que significa, afinal? Segundo o dicionário, "circunstâncias em que os factos objetivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais".
Estamos entendidos? É disto que falamos. Apreensão da realidade, várias versões da mesma verdade, superficialidade ou, se preferirmos, e como costumo chamar-lhe "criação literária". É esta a nossa nova vida, com o que lidamos. Rapidez, leveza, e "pós-verdade".
Senão, olhemos em torno, para os nossos ‘amigos’ (a própria palavra é curiosa) da rede social, identificados por foto linda, comportam-se sempre de forma bem diferente de quando estão no anonimato. Tudo na vida deles é maravilhoso: "the life&style of the rich and famous", como diria um bom amigo (de carne e osso) meu. Porque nas redes sociais ninguém tem dificuldades nem deve dinheiro, só se pede ajuda para coisas simples e até o nosso rosto é devidamente ‘photoshopeado’ para não se notarem as rugas da manhã ou de um fim de noite com muito cansaço acumulado. Na rede de ‘amigos’ a vida é bela, virtual, criada ‘a gosto’.
E assim entramos no novo ano, imortais, com uma pele de 15 anos, lendo só o que queremos ler e saber – nada mais do que isso – tecendo elogios ou enviando emojis malcriados, assim criamos a nossa própria realidade, irreal, ou talvez não. Se calhar como a vida: cada vez mais efémera.