
Quando o teu coração ficou surdo, o meu ficou preguiçoso. Foi o primeiro pensamento que atravessou o meu espírito aquietado pelo sono profundo que só acontece quando o espírito se encaixa no lugar físico onde se encontra. Esse lugar é Búzios, a praia dos cariocas da linha mais clássica, aqueles que ainda lancham na Confeitaria Colombo e jantam no Bar Lagoa e que são todos primos, amigos ou conhecidos de toda a gente, tal como em Lisboa.
Tanta paz neste lugar, onde as ondas cantam como sereias, e eu acordar, numa languidez que só o Brasil me dá, porque o Brasil é aquele lugar físico onde a alma se encaixa em tudo. Aqui, até o coração ganha um novo sossego, mas agora sinto que está preguiçoso. Bate com tranquilidade, nada nem ninguém tem o poder de lhe alterar o ritmo.
Talvez existam estudos científicos que comprovem uma correlação direta entre a surdez de um coração e a preguiça de outro. Uma teoria de causa-efeito, apenas não visível a olho nu como um pêndulo que embate no outro, e esse movimento faz com que o inverso se repita, sempre em espelho, até ao fim do tempo.
Seja como for, sempre acreditei que os corações podem ligar-se das formas mais misteriosas, às vezes tão fortes que se tornam impossíveis de destruir. Mas pode ser que a minha percepção da realidade não seja mais do que um devaneio pessoal e, infelizmente, transmissível, embora apenas para corações abertos, ou sem problemas de audição.
Eu jogo na Liga Romântica, mesmo quando o que está em jogo não é exactamente amor, porque o amor é um bem tão raro quanto vulgarizado.
Vês uma mulher bonita na rua e mexer no cabelo, ela sorri para ti e pensas que é amor. Dormes com um amigo que só encontras duas vezes por ano, e só porque sentes prazer e cumplicidade, acreditas por umas horas que é amor. Recebes uma mensagem sincera da tua namoradinha de faculdade que já tem os filhos criados e dois divórcios registados na conservatória e sonhas com a possibilidade de finalmente reencontrar o amor. Aquele quarentão com quem jantaste algumas vezes escreve-te pelo Instragram a dizer que estás linda e que pensa em ti, mas nada disso é amor.
Amor é quando dois corações se ligam, o resto é conversa fiada, vale pouco ou nada. Não é mais nem menos do que isto. Nem diferente. Se passar pela pele, pela cabeça, pela memória ou pela vontade, pode ser uma aproximação ao amor, mas ainda não é Amor. Para ser amor tem de ter continuidade, dedicação, construção. E aquela magia, aquele je ne sais quoi que nos faz confessar à nossa melhor amiga, "isto é diferente de tudo, isto é tudo o que que quero". Os homens dizem, "ela faz-me querer ser uma pessoa melhor, se morresse agora, morria feliz".
Há sempre um toque trágico em todas as grandes histórias de amor, porque, na maior parte dos casos, não correspondem a finais felizes. E quando se perde tudo porque tudo se partiu contra uma parede, os corações amolgados e encolhidos tentam recuperar de diferentes maneiras. Há quem desligue o coração, quem o esconda numa caixa, quem o encolha de forma a ficar do tamanho de uma formiga. Cada um tem as suas técnicas.
Aqui em Búzios, conheci uma finlandesa que se mudou para cá há 70 anos. Tinha 20. Aos 22 apaixonou-se por músico. Enviuvou com 27. Nunca mais se casou. Viveu muito, mas nunca mais amou. Perguntei-lhe o que ela pensava que lhe tinha acontecido. Respondeu-me, "o coração é uma musculo, senão é puxado, fica preguiçoso".
Eu sorri, porque percebi. Talvez o meu esteja nesse lugar, o da preguiça. Tenho um coração funcional, bate certo, ouve tudo, só não sente.
E o teu?