'
FLASH!
Verão 2025
Compre aqui em Epaper
Margarida Rebelo Pinto
Margarida Rebelo Pinto Pessoas Como Nós

Notícia

Não me deixes cair

Quando tropeçámos um no outro, senti-me tão viva que o presente ganhou o primeiro lugar de todas as corridas sem sair do lugar da partida. Em menos de poucas horas e sem termos ido aos treinos, tu já estavas na 'pole position', eu só tinha de te dar o sinal de partida.
27 de abril de 2018 às 07:00
Andorinhas, bordallo pinheiro
Andorinhas, bordallo pinheiro

As relações servem sobretudo para aprendermos sobre nós próprios.

Antes de te conhecer, pensava que queria um namorado sossegado e bem-comportado, daqueles que estão sempre em casa antes da sua querida, que passam na lavandaria para apanhar o vestido que elas levam ao baile com as amigas. Tinha aquele mito burguês da Casa & Pucarinho, de juntar os trapinhos e mergulhar na rotina dos casais siameses com jantaradas com pares da mesma espécie à sexta à noite e almoço de domingo de família.

Quando tropeçámos um no outro, não pensei em nada disto. Senti-me tão viva que o presente ganhou o primeiro lugar de todas as corridas sem sair do lugar da partida. Em menos de poucas horas e sem termos ido aos treinos, tu já estavas na 'pole position', eu só tinha de te dar o sinal de partida. Respirei fundo, fechei os olhos para saltar melhor e agitei a bandeira para te ver acelerar pela vida, comigo sempre mais ou menos por perto, ou longe, quando tem de ser.

Os teus dias têm menos horas do que os meus, viajas muito, às vezes quase de repente, nunca sei quando te vou ver outra vez, mas talvez seja esta uma das lições de vida que a tua presença me trouxe, aprender a fazer poucos planos, viver o presente como quem navega à vista, confiando mais na sorte e na vida. Se puseres amor, receberás amor, se puseres riso, alegria e cumplicidade, receberás tudo isso. Semearás o que colhes.

Contigo a colheita é farta e feliz. São os abraços leves, os beijos ávidos, as histórias de cada um, boa mesa e bons vinhos, tu a dizeres disparates para me provocar, enquanto as raparigas da mesa ao lado não conseguem fechar a boca, não sei se chocadas com os teus disparates ou com o teu sorriso de fazer parar o trânsito. Eu entro no jogo e oiço-te como se estivesse a levar-te a sério e nem sempre te respondo, faz parte do teu show. Depois a conversa salta para assuntos mais sérios, família, trabalho, valores e ideias, aquilo que aprendemos até chegar aqui.

Pego numa caneta e desenho na toalha de papel do restaurante uma bola dentro de outra e muitas setas em redor, todas a caminho do centro da vida e explico-te porque é que as mulheres devem ficar mais quietas do que os homens. Ambos pensamos que o feminismo teve efeitos perversos na cabeça dos homens e das mulheres, que o mundo anda à procura de uma nova ordem emocional, que os amores andam desarrumados e os humanos desfocados do essencial.

É sempre tarde quando pedes a conta, queremos voltar para casa depressa, ficar sossegados a ler ou a ver uma série antiga, tu fumas o teu cigarro na varanda e depois agarras-me e eu enrolo-me como se fosse um bicho da conta e o mundo pára só para nós. Deixo-me ir como um pássaro feliz e digo-te muito baixinho, para que me oiças melhor, "não me deixes cair".

Não sei quando vou voltar a ser um bicho de conta no sofá cinzento, pode ser hoje ou daqui a um mês, vamos ter vários aviões e um continente pelo meio, o tempo vai voar em semanas de distância e só Deus sabe o que tem guardado para nós, mas quero que saibas que quando aterrar na Cidade Maravilhosa, vou beber uma água de coco e brindar à tua saúde, vou subir à Pedra Bonita e pensar em ti, vou dar a volta à Lagoa contigo debaixo da pele e dentro do meu coração.

Não me deixes cair, há muito tempo que não me sentava com tanto prazer à mesa, que não conseguia descansar num sofá que não fosse o meu,  que não sentia tanta alegria no peito.

Até já, meu pirata campeão. Daqui a algumas voltas na pista da tua e da minha vida, quem sabe, estaremos juntos de novo na sala branca onde as andorinhas do Bordalo voam estáticas em direção a um céu qualquer que pode afinal ser o nosso.

Leia também
Leia também
Leia também
Leia também
Leia também
Leia também

você vai gostar de...

Mais notícias de Pessoas Como Nós

A menina Clarinha e eu

A menina Clarinha e eu

Não sei quantas vezes tentei esquecer-te, talvez menos do que tu e mais do que o meu coração aguenta, a única que sinto é que, cada vez que a dou espaço à razão, o meu coração começa a encolher-se como um bolo sem fermento, a vida fica sem açúcar e os dias sem sabor.
Mergulhar no futuro

Mergulhar no futuro

Agora, enquanto a ameaça da pandemia pairar sobre Portugal e o mundo, espero pacientemente por aquele momento mágico em que vou poder voltar a mergulhar no mar. A vida ensinou-me a mergulhar no futuro, mesmo quando o futuro é um lugar vago e incerto.
Com cinco letras apenas

Com cinco letras apenas

É engraçado como as palavras mais belas e mais importantes têm três, quatro ou cinco letras. Mãe, pai, avô, avó, tio, tia, filho, paz, saúde, sonho, amor, fado. Beijo, abraço, toque, sim, não, já, agora, calma, vem, fica.
Claras em Castelo

Claras em Castelo

Estar fechada em casa não me custa, o que me custa é não ver o meu filho e os meus pais, as minhas sobrinhas e os meus irmãos, as minha amigas e amigos. Na verdade, o que me custa ainda mais, é não acreditar que, quando a pandemia passar, as pessoas não vão mudar. Agora acreditam que sim, estão paralisadas pelo medo, mas são apenas boas intenções, porque as pessoas não mudam.

Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável