
Quando parti, deixei um poema para trás.
Foi tudo o que quis que ficasse. Comigo trouxe todas as memórias e o coração inteiro. Sim, é verdade que uma parte de mim ficou no congelador, mas ambos sabemos que há muito que é assim. Não foi a esperança, nem o medo. Foi o desejo. Vive agora dentro de um tupperware, quem sabe dobrado em oito ou em mais voltas, criogenizado como um herói de ficção científica, mas como muito menos charme cinematográfico, porque convive mano a mano com bifes de frango e crepes com chocolate.
É o chocolate que nos distrai do desejo. Tabletes imensas, cada um no canto da sua vida vai comendo quadradinhos em noites de insónia. Às vezes oiço-te a partir uma barra inteira, mas talvez seja a minha imaginação. No aeroporto comprei chocolates em todas as escalas. Não sei porquê, mas os chocolates comprados no aeroporto sabem sempre mais a chocolate.
Nos aeroportos tudo tem um sabor diferente, o sabor da passagem. Também devia ser assim na vida porque passa cada vez mais depressa, e no entanto, vivemos como se fossemos tocados pela eternidade, quase nunca pensamos na morte, a não ser quando ela nos acena em forma de ceifeira e agita a sua foice terrifica, ou quando bate numa porta ao lado da nossa.
É uma sorte quase nunca pensarmos na morte. Assim é como olhar para o céu e ver sempre azul. O pior é o tempo que nos rouba tudo. Há meia hora os nossos filhos andavam de bibe e agora andam na universidade. Há três dias o meu pai dançava comigo na sala e agora está numa cadeira de rodas. Há cinco minutos estavas aqui e afinal passou um ano. O tempo anda sempre a pregar-nos partidas, é o Deus mais inteligente e manipulador do Universo. Renato Russo diz que o infinito é um dos deuses mais lindos. Eu associo o infinito com a eternidade, noções irmãs para o espaço e o tempo, por isso escrevo tanto. Cada poema, cada livro, cada carta, são formas de tocar e eternidade. Músicos e pintores fazem o mesmo. E também tiranos maléficos, mas por motivos horríveis, com consequências inesquecíveis para o mundo. Olha o Hitler, o Mugabe e o Papa Doc. Por exemplo.
Mas estou a perder o fio. Nunca se pode perder o fio. Vivemos todos num labirinto, por isso o fio é tão importante. A minha Ariadne sou eu e a minha paz, as minhas viagens, o meu amor por ti. Gostava de pensar que a tua Ariadne sou eu, mas ninguém pode salvar ninguém, não é?
O poema, esse não tem data. Nunca escrevo a data no fim, de que nos serve a poesia se não for intemporal? Há qualquer coisa de eterno num poema. Como é eterno o carinho que guardo por ti e por todos aqueles que vivem no meu coração.
Quando voltar, leva-me a almoçar a um lugar qualquer onde eu possa ver o mar. Assim vou olhar menos para tiverem triplicado a graduação.
Às vezes ainda imagino que vamos estar os dois a comer chocolates no mesmo canto do mesmo mundo. Ainda assim, na dúvida, traz-me uma tablete para a sobremesa, sempre matamos o tempo antes que ele nos mate.