
- Vou ao México com um amigo no fim do mês, queres vir? Trazes uma amiga e vamos os quatro.
Só fui ao México uma vez. Foi há dez anos, talvez mais. Namorava com um rapaz que tinha o mesmo nome que tu. E também era bom rapaz, como tu, quando não te dá para dizer disparates.
- No fim do mês faço anos, Miguel. Gostava que estivesses cá. Mas se não estiveres não faz mal.
A conversa foi a seguir ao jantar, estávamos sentados no sofá de tua casa. Eu gosto de ti Miguel, sempre gostei. Sabes cuidar de mim. Trazes-me chocolates quando estou triste ou doente. Se preciso de um arranjo em casa, uma torneira que veda mal, quadros para pendurar, um puxador que se partiu, chamo-te e vens sempre, feliz e prestável, um sorriso rasgado e os olhos, enormes, que ainda sorriem mais do que a boca. Tu és uma pessoa de bem, tens bom coração. Se a vida deixasse, talvez me apaixonasse por ti. E se tu puxasses por mim. Mas tu puxas e empurras ao mesmo tempo, tens comigo aquilo a que chamo uma relação ioiô: queres uma coisa e o seu contrário. Não é por mal, é o teu feito ambíguo, indeciso, ambivalente. Ainda assim, dou-te tempo de antena porque és o único homem que me prende a atenção.
Sou muito distraída. Desde que me separei, nunca mais nenhum homem conseguiu captar a minha atenção. Não sei porquê, mas quando o Max se foi embora, partiu-se qualquer coisa cá dentro. Deve ter sido o coração. Não sei como se parte um músculo, talvez o verbo mais correto seja rasgar. Os ossos e as cadeiras é que se partem. Os músculos e os nervos rasgam-se, e por vezes perdem a sensibilidade. Foi o que me aconteceu ao coração e a todos os órgãos e nervos do corpo. Fiquei um ser etéreo, deixei de sentir. Só frio e calor, fome e sede, sono e saudade. Pouco mais. Sentia-me uma larva, fechada num casulo. E depois conheci-te e o teu calor começou a derreter o vido da cápsula com se fosse de plástico.
Eu estava sentada na relva do jardim da Gulbenkian a meditar de olhos fechados e de fones. Quando voltei a levantar as pálpebras, estavas sentado à minha frente, na mesma posição, as pernas cruzadas e os braços semi-dobrados, com os pulsos apoiados nos joelhos.
- Também gostava de aprender a meditar, não se importa de me ensinar? Chamo-te Miguel, já agora.
Suspirei de tédio. Mais um palerma em férias, pensei. Ía levantar-me sem te responder quando sorriste e disseste:
- Não se vá embora, por favor. Diga-me o seu nome e explique-me como se medita. Ando a tentar há anos e nunca consegui.
Madalena, respondi. Continuei sentada. Não sabia o que fazer. Uma parte de mim dizia-me para falar contigo, a outra empurrava as minhas pernas para longe. A imobilidade venceu. Havia qualquer coisa no teu olhar que me dava paz e segurança. Como não me lembro quando foi a última vez que um homem me transmitiu paz e segurança, deixei-me ficar, o que neste caso foi deixar-me ir. E agora dizes-me que vais para o México com um amigo?
- Não tens uma amiga divertida para vir connosco?
Não sei como te explicar que não tiro amigas da cartola para os teus amigos. Não sei como te dizer que se me convidasses para ir contigo, pela primeira vez em muito tempo, eu diria a palavra sim. És uma espécie de Senhor Talvez, gostas de mim mas não sabes o que fazer comigo.
Fingi que não ouvi. Levantei-me, vesti o casaco, agradeci o jantar e vim-me embora. No dia seguinte acordei e sacudi a conversa da minha cabeça. A vida está cheia de conversas parvas, não te preocupes, isso não faz de ti uma má pessoa.