
"E se voltasse atrás, farias tudo da mesma maneira?"
Foi apenas mais uma mensagem, entre centenas, que ficou perdida no tempo como lágrimas na chuva. E quando a chuva vem lava tudo, ou quase tudo. A mensagem é da minha personagem Maria do Amparo, mas também podia ser de todas as mulheres que lutaram por uma história de amor.
A literatura, a poesia, a música, as séries e o cinema estão cheios de histórias de amores impossíveis, adiados, interrompidos, perdidos, zangados, conformados, mas nunca esquecidos. Maria do Amparo quer o que qualquer ser humano deseja de uma relação: atenção, carinho, amor e protecção daquele que ama. Depois de alguns anos sem conseguir o que mais deseja, desiste. Desiste porque está cansada, porque quer ser feliz, porque sente que há mais vida.
A grande questão nas relações amorosas não é o amor em si. Nem sequer é a ausência deste. A grande questão é se as duas pessoas envolvidas querem ou não a mesma coisa da relação, do outro e da vida. Esta foi uma das reflexões que esteve na base do meu último romance que está povoado de mulheres sós: Amelinha não perdoa a traição de Luís, Lurdinhas sente-se só perante a doença do marido, Sara e Cristina escolhem caminhos opostos para evitar o embate da solidão amorosa. Sara opta por "desligar" o coração, enquanto Cristina se agarra ao ideal da princesa que acredita em finais felizes. E há ainda Paula, a amante tresloucada que tolera com grande dificuldade a vida doméstica e sonha incessantemente com o seu amante da hora do almoço. Mulheres de gerações e com personalidade tão diferentes na abordagem do amor, e no entanto, todas iguais na mesma busca.
Afinal de que falamos quando falamos de amor? É preciso saber em que lugar queremos viver, se é no céu das possibilidades ou na terra da realidade. Queremos alcançar um ideal, ou lutar pelo que já temos? Vale mesmo a pena atirar para o lixo uma vida construída a pulso por uma paixão avassaladora? Só cada um saberá a resposta. Como diz o ditado, cada um sabe de si e Deus sabe de todos. Para quem acredita nele, porque quem não acredita, tem de acreditar em alguém ou em alguma coisa, quanto mais não seja em si mesmo.
O amor dá sempre imenso trabalho e é sempre uma viagem arriscada. Como diz um dos personagens masculinos, "quando te apaixonas não escolhes". Na verdade, existem muitas coisas na vida que não escolhemos, nós é que pensamos que sim, mas não é verdade. Ninguém escolhe quando nasce, a sua família, o seu ADN, a cor dos olhos, os filhos, os momentos de sorte e de azar que se cruzam no nosso caminho. E quando somos apanhados por um grande atropelo emocional, como resistir à vertigem e sobreviver ao caos? Maria do Amparo diz ao seu amado, "a minha contigo é um caos e sem ti é um tédio". Neste caso, como tantas vezes acontece, os dois amantes não conseguiram encontrar-se no mesmo caminho.
Acredito que exista um lugar intermédio, mas não morno, no qual o entendimento prevalece, onde duas pessoas apaixonadas conseguem construir uma vida, mesmo que esta vida a dois não dure para sempre. Acredito que é com base numa construção serena e sem medo que podemos chegar a bom porto, a um Porto de Abrigo, a um lugar de paz e de tranquilidade, de partilha e de confiança. Esse lugar é possível, e existe, se acreditarmos que existe. Não é uma quimera, é uma possibilidade. Mas para tal, também é preciso ter ambição no amor. É preciso sobretudo não ter medo, porque o medo paralisa, gera desinteresse, o medo desliga-nos dos sonhos, primeiro dos sonhos e depois da vida, e finalmente de tudo.
Nunca é fácil recomeçar. Nunca é fácil atirar a toalha para o chão e dizer basta. Nunca é fácil acreditar que vamos conseguir. E no entanto, cada vez que o destino no traz alguém especial e único, cada vez que conhecemos alguém que faz parar todos os ponteiros de todos os relógios, sentimos aquele apelo de vida que nos pode levar mais longe. É desse apelo que o meu último romance fala, porque há sempre mais vida, antes que seja tarde.