
Hoje está outra vez vento e frio, o Verão em Lisboa está cada vez mais bi-polar. Enquanto espero pela Madalena deslizo o polegar direito pelas caras que aparecem na aplicação. Baixei o Tinder. Parece que resulta, e se não tiver grandes resultados, também não se perde nada.
Não posso continuar à espera que a Patrícia se decida, porque não vai decidir. Ela gosta do proibido, da vertigem, da transgressão e depois de voltar para casa para a a vidinha: o marido-corno, a filha pequena, os almoços em família em Alcochete. No fundo as pessoas querem o que sempre tiveram. Nisso a Madalena tem razão, é tudo farinha do mesmo saco. Esta diz que me adora, que nunca sentiu nada assim, que a ponho na lua e a ver estrelas, que tem sempre saudades minhas, mas depois vai de férias com o marido e faz a vida dela. Eu sou o palhaço que está ali para os intervalos eróticos. Não tenho ego para isto. À hora do jantar não é ela que se senta à minha frente à mesa. São os meus amigos de sempre que estão lá para mim. A Patrícia é uma miúda gira, cheia de tesão e de loucura naquele corpo, aguenta tudo na cama, mas depois a cabeça não aguenta nada fora da cama.
A Madalena sai do prédio com um grande sorriso e dá-me um daqueles abraços espetaculares. Diz que sou o melhor abraço de Lisboa. Não sei se sou, mas serei certamente dos que mais a protegem. Adoro a Madalena. Conhece-me bem, apoia-me em tudo, é divertida, inteligente e giríssima. Nunca deixo de apreciar o corpo dela, apesar de não o cobiçar. Burro amarrado também pasta, não é? Só de pensar que esta mulher dorme sozinha há anos por causa de um gajo não lha liga, desperdício. Já a apresentei a três amigos meus, deu sopa a todos. Deixei-me disso, a pedido dela. A intenção era a melhor: que ela encontrasse alguém que lhe fizesse companhia. Mas talvez isso não lhe chegue. Tal como eu já me habituei a estar sozinho, ela também já se aguenta bem. Os primeiros invernos foram mais difíceis, agora deu a volta.
Vamos ao JNsaisQuoi, ao balcão não é preciso reservar e come-se bem. O vestido da Amparo não é muito curto, mas sobe quando se senta na banqueta. Tem muito bom corpo, pernas de tenista. Os ténis Lacoste brancos ficam-lhe a matar.
- Estás uma bomba miúda.
- Obrigada, querido. Tem dias.
- Então hoje deve ser um deles. Já resolveste aquele assunto na tua cabeça?
- Vou resolvendo. Ele desapareceu, portanto não tenho outro caminho, não é? Uma das formas mais eficazes de enlouquecer é apaixonares-te por uma parede. – pede um Pisco Sour enquanto olha para a lista e suspira. Está farta desta história. Quer limpar o tipo do sistema, mas enquanto não aparecer outro que lhe dê a volta, não vai conseguir. As mulheres são muito sentimentais, raramente conseguem fecham o coração ao perfil do cow-boy insolente que se esfuma no horizonte montado no seu cavalo branco. Basta o tipo virar as costas para se transformar num príncipe.
- E essa história da Patrícia? Sempre se desembrulha, ou está tudo na mesma?
- Está pior. Na verdade, está tudo na mesma, eu é que estou a perder a paciência.
- Porque te apaixonaste… era só uma avença, só cama, e afinal…
- Afinal toca a todos, querida. Como sabes.
- Devias saltar disso já. Se passares a barreira dos seis meses, ficas preso na teia e depois podes penar durante anos. Olha para mim. Não queres ter a minha vida, pois não?
- Nem pensar.
- Então salta do comboio enquanto não ganhar velocidade. Quanto mais tarde saltares, mais riscos corres de te partir todo. Cada pessoa tem o seu registo, tu és como eu, vais dando cada vez mais, queres as coisas claras, és objetivo e determinado. Tratas bem as mulheres, pensas no que é melhor para elas. Mas não é por tratarmos as pessoas assim que elas nos vão tratar da mesma maneira. Ela não vai ter coragem de arriscar. Está habituada á vida que tem, um marido em casa e um garanhão para as curvas. Não é por mal, é porque não consegue mudar. Nesta merda do amor é muito mais fácil fazer tudo mal do que bem. Entram em jogo o egoísmo, a insegurança, o medo de perder o que está garantido. E o medo vence sempre. Ela não tem estrutura para arriscar. Não percas mais tempo.
A Madalena tem razão.
- Bem, tu é que sabes da tua vida. – Remata com um sorriso ao mesmo tempo triste e orgulhoso - Queres ovos rotos, ou apetece-te outra coisa?
- Pode ser – respondo.
Ovos rotos para corações desencontrados. E dois copos de tinto para aplacar a tristeza de não conseguirmos mudar a realidade.