
O mundo mudou tão depressa por dentro e por fora que ninguém estava preparado. A terra das oportunidades, bastião da democracia do novo mundo, é agora governada por um ditador com profundas perturbações de personalidade e gravíssimas falhas de caráter, uma mistura entre um bandido, um perverso e um anti-cristo que pinta o cabelo de amarelo, caminha à frente da Rainha de Inglaterra, tem uma relação incestuosa com a filha e mente mal. Vou ao cinema e as salas estão meio cheias de pessoas com mais de 50 anos. Nas salas de teatro, com exceção das pessoas do meio artístico, a média da faixa etária sobe para os 60. Nas livrarias vejo ainda jovens, mas cada vez menos.
O mundo mudou tão depressa que já quase ninguém ouve CD’s nem compra DVD’s. Passou a ser tudo on-line. Até o coração está sempre on-line, no Messenger, no Wathsapp, no Facebook, nas aplicações de encontros: Tinder, Happen, Bumble, Luxy. Tudo se passa no smartphone e através dele. Já não precisamos de mapas, bilhetes de avião impressos, cartões de visita, agendas de papel, vouchers de hotel. Tudo está à distância de um clic, basta ter um cartão de crédito e saber ler e escrever. Em casa vemos séries na Netflix e percebemos que precisávamos de viver 500 anos para assistir a metade.
E a vida real, para onde foi? Para onde foi o Verão Azul com dias de sol a sol que nos aqueciam o corpo e os sonhos? Para onde foi o mundo em que a inteligência artificial era uma excentricidade de realizadores de cinema visionários e o Homem conseguia desligar o maléfico Hall9000, o computador da nave Discovery One? Agora temos de levar com a estúpida da Sophie em anúncios comezinhos e com a parva da Siri no smartphone. Penso no pequeno e enferrujado robot Wall- E condenado a arrumar o lixo do Planeta Terra, enquanto a população agora obesa gravita em naves de recreio permanente. O filme é de 2008. A profecia cumpriu-se em menos de uma década: pessoas que nunca se olham porque acordam e adormecem hipnotizadas por um écran.
Não estou a ser pessimista, estou a ser realista. Precisamos de parar para pensar. Precisamos de parar para mudar o que ainda vamos a tempo de mudar. E fazer dessa mudança um hábito diário. Dizer boa tarde quando entramos num elevador. Conversar com a senhora que lava as escadas do prédio. Visitar aquele familiar que mora longe. Dormir sem o telemóvel na cabeceira. Mandar menos e mensagens e dar mais abraços. Enviar menos emojis e mais poesia. Usar mais o dom da palavra que é o poder que temos sobre o mundo. Ter mais tempo para os outros. Ouvir mais o coração. Descansar a cabeça, ensinar o es+irito a tirar férias do pensamento. Passear no campo. Ouvir as árvores, os pássaros e o mar. Ouvir os outros. Sobretudo quando estão demasiado cansados para falar, ou demasiado tristes para chorar. Chorar mais. Sim, chorar de alegria, de emoção, de cansaço, de tristeza, de raiva, daquilo que for, mas chorar sem medo nem vergonha. Pegar num globo antigo, faze-lo rodar devagar e mostrar aos nossos filhos as cores do mundo: a terra verde e dourada e o mar azul, antes que deixe de ser azul.
Precisamos de voltar ao básico para voltar a nós. Não há nada de místico nem de esotérico naquilo que aqui escrevo, é apenas uma questão de bom senso. Precisamos de voltar a nós. Não conheço ninguém feliz longe da sua casa, da sua Natureza, da sua família. Não conheço ninguém feliz sozinho. O Verão pode ser cinzento, mas está nas nossas mãos pintar o céu de azul, de cor-de-rosa, de amarelo às riscas se for caso disso. Está nas nossas mãos voltarmos a namorar, a andar de mão dada na rua, a escrever cartas em papel e a fazer promessas de vida. Está nas nossas mãos voltarmos a ser felizes. Acredito que, quando isso acontecer, o Verão vai voltar a ser azul. Nunca será para sempre porque nada é, mas ao menos vai valer a pena.