Da China para Hollywood: como Chloé Zhao, a senhora 'Nomadland', conquistou o mundo
'Nomadland - Sobreviver na América' foi um dos grandes conquistadores da noite dos Óscares e nasce da ideia de uma realizadora que, após ter saído cedo da sua zona de conforto, quis fazer o mesmo ao 'mainstream' de Hollywood.
Falar do filme ‘Nomadland – Sobreviver na América’ é indissociável de falar da mente por detrás dele, Chloé Zhao, realizadora chinesa que, a partir do livro homónimo de Jessica Bruder sobre os norte-americanos que adotaram o estilo de vida nómada devido à recessão de 2018, orquestrou uma obra que este domingo levou para casa três dos principais prémios da noite, incluindo o de melhor filme, tornando-se Chloé, desta forma, na primeira mulher asiática (e apenas na segunda mulher) a vencer a estatueta de melhor realizadora.
Na verdade, há um aparte a fazer: o sucesso de uma mulher chinesa em Hollywood seria, em condições normais, motivo para ter uma nação muito numerosa orgulhosa dos seus feitos, mas a relação entre o governo chinês e a realizadora de 39 anos não é a mais fácil: apesar de inicialmente, ter sido alvo de grandes elogios pelo êxito daquela que é, até à altura, a sua obra-prima, a descoberta de declarações em que Chloé criticava a China como "um país onde há mentiras por todo o lado" conduziu a que o lançamento nas salas fosse temporariamente adiado e que as apreciações sobre o filme fossem censuradas. A exibição de ‘Nomadland’ na China foi eventualmente aprovada pela NAAC, o instituto local, e estreou mesmo esta sexta-feira, mas espera-se uma tímida adesão às salas.
A caminhada de ‘Nomadland’ começou nos festivais de Toronto e Veneza, onde logo se percebeu que estava ali a nascer algo de marcante na história do cinema contemporâneo – no Canadá, arrecadou o prémio People’s Choice, e na cidade dos canais, o Leão de Ouro. Mas o trilho de Chloé iniciou-se bem mais cedo: aos 15 anos abandonou a China para estudar no Reino Unido, em Brighton, mas foi em Nova Iorque que trocou a ciência política pela produção de filmes.
Estreou-se nas longas-metragens em 2015, com ‘Songs My Brothers Taught Me’
A mesma tribo acabou por ser a base do seu segundo filme, ‘The Rider’, de 2017, mas com ‘Nomadland – Sobreviver na América’, Chloé usufruiu da experiência que viveu nas suas duas obras anteriores, levando o foco para um tipo diferente de população: os nómadas. Aqui não há os cowboys de ‘The Rider’, pelos quais muitas vezes foi identificada esta região na cultura pop de Hollywood, mas há pessoas, indivíduos que perderam tudo e foram obrigados a um recomeço, longe da chama de um certo estilo de modernidade. Da modernidade que a uns tudo dá e a outros tudo tira, e da qual a crise de 2008 foi um preciso reflexo.
Para o futuro, já está garantida a realização de ‘Eternals’, filme que faz parte do universo da Marvel, com um elenco de luxo encabeçado por Angelina Jolie, que também conta com nomes como Kit Harington, Richard Madden, Salma Hayek, Gemma Chan ou Lauren Ridloff, e que está previsto estrear no próximo mês de novembro, mas, apesar da aparente contradição, por ser uma das franquias que mais simboliza o mainstream cinematográfico, as declarações da própria Chloé e do elenco já anteveem que a diferença e a criatividade que marcaram a filmografia da natural de Pequim também estejam presentes.
Em ‘Nomadland’, Chloé Zhao não se cingiu pela genuinidade da história e convidou os verdadeiros nómadas norte-americanos para ladearem a interpretação aclamadíssima de Frances McDormand, no papel de Fern, naquela aventura de pouco mais de hora e quarenta. Ao público sobrou ver e aplaudir. À Academia não restou outra hipótese senão a de premiar a realizadora (e o filme) e de deixar o seu nome estampado na história dos Óscares.