A poderosa teia de influências. Como Jeffrey Epstein e Ghislaine Maxwell tentaram controlar as notícias antes do escândalo sexual
A revelação dos crimes de natureza sexual do antigo financeiro e da sua "cúmplice" colocou a nu a forma como ambos se relacionavam com a o "quarto poder". Saiba como a dupla se "mexeu" para tentar impedir que as notícias sobre as acusações de tráfico sexual de menores e abusos viessem a público.
Jeffrey Epstein foi detido no dia 6 de julho de 2019 no Aeroporto de Teterboro, no estado norte-americano de Nova Jérsia. O motivo foram as suspeitas de um vasto leque de crimes de natureza sexual, nomeadamente tráfico sexual, incluindo de menores, algo que foi corroborado pelas provas encontradas na sua casa em Manhattan. Foi imediatamente colocado no Centro Correcional Metropolitano de Nova Iorque.
Contudo, a sua estada no estabelecimento prisional durou pouco mais de um mês: Epstein faleceu no dia 10 de agosto de 2019 e, oficialmente, a causa de morte foi determinada como um suicídio por enforcamento. Esta tese, no entanto, foi alvo de um elevadíssimo grau de ceticismo, não só pelos detalhes que vieram à tona acerca da noite da sua morte, na qual duas das câmaras apontadas para a sua cela se encontravam inativas, mas também porque Epstein era uma figura de muito poder, com ligações privilegiadas nos altos círculos da fama.
Existem ainda suspeitas de que estas mesmas ligações poderão ter ajudado Epstein a evitar que artigos comprometedores sobre si e as suas alegadas atividades criminais fossem alvo de escrutínio em alguns órgãos de comunicação social.
AS ORIGENS DE EPSTEIN E AS PRIMEIRAS REVELAÇÕES
Jeffrey Epstein nasceu em 1953 na cidade de Nova Iorque e ficou conhecido pelo seu peso no setor financeiro nos anos 90 tendo também sido professor. Era também socialite, tendo ligações a muitas personalidades como, por exemplo, Kevin Spacey, Bill Clinton ou o príncipe André, com esta proximidade com as altas esferas a ser partilhada com a sua cúmplice, Ghislaine Maxwell.
As primeiras fortes suspeitas criminais que recaíram sobre o nova-iorquino datam de 2005, quando uma mulher acusou o financeiro de ter levado a sua enteada para a mansão de Epstein em Palm Beach, na Flórida, tendo alegadamente pago uma quantia de 300 dólares à jovem de 14 anos para o massajar.O número de alegadas vítimas rapidamente cresceu até 80 durante a investigação, mas as provas escasseavam e, deste caso, surgiu apenas uma condenação, com Epstein a declarar-se, três anos depois, culpado de uma acusação estatal de um caso de solicitar a prostituição de uma menor de 18 anos, tendo servido 13 meses de prisão, ainda que em condições mais favoráveis do que a norma, para lá de um ano em liberdade condicional, com prisão domiciliária.
Vários casos civis se seguiram, com acusações de abusos sexuais e tráfico sexual, principalmente de menores, entre 2008 e 2019, ano da sua derradeira detenção, incluindo o caso de Virginia Giuffre, na altura uma jovem de 17 anos, que alegou ter sido traficada e coagida a praticar atividades sexuais com várias pessoas, nomeadamente Epstein, Ghislaine Maxwell e o príncipe André, que negou estas acusações.
A VERDADEIRA INFLUÊNCIA DA TEIA DE EPSTEIN E MAXWELL
Os crimes sexuais de Epstein terão começado ainda mais cedo do que 2005. A jornalista Vicky Ward, da ‘Vanity Fair’, escreveu em 2003 um artigo denominado ‘The Talented Mr. Epstein’ (‘O Talentoso Sr. Epstein’) sobre a vida do financeiro, já na altura um homem poderoso que privava com clientes como Kevin Spacey, como já referido, ou Bill Clinton. O longo artigo incluía passagens sobre transações financeiras questionáveis, mas nomeadamente uma secção de dois parágrafos (contrastando com a dimensão mais alargada da maioria das outras) acerca do amor de Epstein pelo sexo feminino.
"Epstein é conhecido como um homem que adora mulheres – muitas mulheres, sobretudo jovens. É uma cara familiar a muitas das raparigas da Victoria’s Secret. Uma, em particular, recorda quando foi chamada por Ghislaine Maxwell a um concerto na casa de Epstein, onde as mulheres pareciam estar em larga vantagem numérica sobre os homens. ‘Muitas destas mulheres pareciam estrangeiras e vestiam-se de uma forma um pouco estranha’, relatou a mulher. Esta mesma convidada frequentou uma festa de cocktails organizada por Maxwell, na qual o príncipe André marcou presença, e que estava repleta de, segundo ela, jovens modelos russas", podia-se ler no primeiro parágrafo.
Ward terá entrevistado, em 2002, as irmãs Annie e Maria Farmer, para o artigo, e estas teriam relatado ter sofrido abuso sexual, seis anos antes, por parte de Epstein e Maxwell. Os testemunhos, contudo, não constaram da versão final e, segundo Ward, isso deveu-se a pressões do próprio Epstein às quais cedeu o chefe de redação da publicação, Graydon Carter.
Tudo isto é citado num artigo de Isaac Chotiner na ‘The New Yorker’, no dia 8 de fevereiro deste ano, onde o jornalista constatou que as versões de Ward e Carter sobre o que teria acontecido até à publicação da peça esbarravam frequentemente em contradições. Carter afirmou que a primeira versão não tinha quaisquer menções a jovens e que Ward teria apenas mais tarde pedido para que essa parte fosse incluída, mas que os seus superiores na redação concluíram que não existiam provas credíveis, se fossem colocados em tribunal. O argumento de Carter seria rebatido pela revelação dos e-mails trocados entre Ward e colegas da ‘Vanity Fair’ americana, e não obstante as suas próprias contradições, mostravam que indubitavelmente as alegações das irmãs Farmer haviam sido enviadas atempadamente.
Chotiner apresentou, no resto do texto, múltiplas outras peripécias relativas aos seus contactos com todos estes atores. Não obstante tudo isto, o mais importante é a casa de partida: no artigo não constavam estes testemunhos e as irmãs ficaram extremamente desiludidas com o facto de o seu relato ter sido completamente ignorado. Mas este não é caso único.
Em 2019 saiu a público um vídeo, por obra do ‘Project Veritas’, no qual uma pivô da ‘ABC News, canal de notícias da American Broadcasting Company, se queixava de que teria convencido, em 2015, Virginia Giuffre a falar sobre as suas experiências com Epstein, assim como outros indivíduos ligados à rede do financeiro. Alegadamente, a ABC não quis seguir em frente com esta história por temer que as acusações acerca do príncipe André comprometessem os contactos com a família real britânica, nomeadamente em relação à ambição de entrevistar o príncipe William e Kate Middleton. Num e-mail enviado à ‘NPR’, Giuffre lamentou esta sucessão de eventos: "Na altura, o Epstein era um homem livre que comparava a sua conduta criminosa com o furto de um 'bagel'. Eu queria que os holofotes se virassem sobre ele e aos que ao seu lado atuavam, coniventes com o seu comportamento vil e desenvergonhado contra jovens mulheres. Via a entrevista na ABC como um potencial momento de viragem."
O artigo da ‘NPR’, datado de 2019, menciona aliás outro momento preocupante no que toca à proximidade entre a comunicação social e Epstein. O ‘The New York Times’ pretendeu entrevistar o financeiro em 2018, tendo como assunto o facto de Elon Musk o usar como conselheiro para eleger membros da direção da Tesla. A primeira pessoa a quem foi atribuída esta missão foi Landon Thomas Jr., correspondente financeiro, cuja ligação à publicação já somava 16 anos. Mas Thomas recusou, por considerar Epstein uma fonte valiosa de informação e uma pessoa com quem mantinha uma certa familiaridade, tendo inclusive aceitado uma contribuição financeira de 30 mil dólares para um centro cultural em Harlem. Por esse motivo, afirmou que não iria investigar ou escrever sobre Epstein, tendo sido afastado de qualquer contacto profissional com ele e abandonado o New York Times em 2019.
Importa relembrar que a dimensão dos crimes de Epstein e Maxwell continua a ser investigada, com esta última a estar detida desde 2020 e ainda a enfrentar a Justiça.