Era ator, agora Zelensky é "um presidente a interpretar uma celebridade". Como Olena Zelenska e o marido apostam tudo para voltar ao 'showbiz'
A fórmula mágica que funcionou para chamar a atenção do mundo está agora sob ataque e culpada é a Vogue norte-americana que vai fazer capa com a senhora Zelensky em trajes informais... porém cheios de glamour. Desvendamos o que cinco meses de guerra ensinaram ao casal mais pop da atualidade.
"É estranho falar da exterminação ucraniana e da moda ucraniana na mesma conversa, e no entanto esta é a dissonância cognitiva da atual Ucrânia", escreveu a jornalista Rachel Donadio na sua mais recente entrevista à primeira-dama Olena Zelenska e ao presidente Volodymyr Zelensky para a edição de outubro da Vogue americana, mas que já está disponível online. É estranho e isso não passou despercebido para o público.
Olena e Volodymyr voltaram à ribalta esta semana pelas mãos da Vogue norte-americana, que colocou em Annie Leibovitz a responsabilidade de mostrar o casal presidencial no meio dos escombros de Kiev. "Retrato de coragem" é o nome da reportagem e do ensaio fotográfico. Mas nem o peso do nome Leibovitz está a salvar Olena e o marido das críticas.
A fotógrafa que transita pela Rolling Stone, Vanity Fair e Vogue é responsável por alguns dos retratos mais icónicos da política e do entretenimento desde os anos 1970. Só a título de recordação, foi ela quem assinou a famosa fotografia de John Lennon a agarrar Yoko Ono em posição fetal, foto esta tirada horas antes de o Beatle ser assassinado por Mark David Chapman, a 8 de dezembro de 1980.
Foi também Annie Leibovitz quem retratou os Blues Brothers com os rostos pintados de azul, apanhou Johnny Depp e Kate Moss num dos momentos mais íntimos na cama, e tem seguido de todas as formas que pode a feminista Gloria Steinem nas últimas décadas.
Olena e o presidente ucraniano juntam-se a Michele e Barack Obama, e a Jill e Joe Biden, entre os casais presidenciais fotografados por Annie Leibovitz. Não é para um rolo de filme qualquer o que eles estão a posar, mas há quem diga que toda a produção foi de mau gosto.
Numa das imagens, a primeira-dama ucraniana surge no Aeroporto Antonov, em Hostomel, com o cabelo ao vento e o olhar distante em frente aos restos de um avião destruído. "Gosto de moda, gosto de Vogue, adoro os sapatos e as icónicas fotografias de Annie Leibovitz, a autora responsável pelas imagens em questão, mas desta vez não soube ler o momento, nem dignificar esta senhora que é seguramente melhor do que ela faz parecer", escreveu Julen Ladrão de Guevara para o mexicano ‘Herald’. É uma das críticas mais gentis considerando o que se lê nas redes sociais.
"No meio da guerra, ele teve tempo para pagar a fotógrafa mais cara. Mas que m***", lê-se no perfil de Instagram de Annie. "Que ensaio fotográfico tão inapropriado durante uma guerra"; "Devem estar a brincar, isto é nojento"; "Que vergonha, Annie. Que vergonha, Vogue".
A ativista ucraniana e criadora de conteúdos digitais Val Voshchevska tem outra interpretação. A especialista em comunicação digital analisa ponto a ponto o retrato de Olena sentada nas escadas do Parlamento e explica por que estamos a ver uma "imagem feminista icónica".
De blusa bege e calças pretas simples, sapatos rasos, a primeira-dama está numa posição confortável, a olhar para frente. "Com esta única fotografia, Olena destrói as expectativas sexistas de que uma primeira-dama precisa ser uma impecável 'Stepford Wives'", uma referência ao livro de Ira Levin, lê-se na análise.
"A falta de Photoshop, camadas de maquilhagem, cabelos perfeitos fazem-me sentir que Olena Zelenska é uma pessoa real", diz ainda. "Olena Zelenska está a olhar-nos diretamente porque ela não tem medo de mostrar a todo o mundo que é uma mulher forte e corajosa. Ela é o ícone por si só, não por causa de ninguém". E "o cenário lembra-nos que a guerra não acabou".
PRESIDENTE OU CELEBRIDADE?
Mas e a imagem do chefe de Estado? "Zelensky é a celebridade que interpretou um presidente só para tornar-se um presidente a interpretar uma celebridade. Quem pode culpá-lo com tanta coisa em jogo na guerra da propaganda?", questionou a escritora Mary Harrington no Twitter.
Ao longo dos últimos cinco meses, Olena e Volodymyr têm apostado na comunicação nas redes sociais e nas constantes entrevistas para manter a atração do mundo pela guerra na Ucrânia, até a t-shirt verde do presidente faz parte desta tentativa de atenção. E há um gosto de conquista ao figurar na revista de Anna Wintour, o lado do entretenimento em que os dois circularam até 2019.
O casal presidencial era um dos mais populares da Ucrânia e da Rússia até às eleições em que Zelensky saiu vencedor. Antes de entrar na política, o presidente ucraniano interpretou algumas das personagens mais populares do seu país, sendo a última o protagonista de ‘Servo do Povo’, a terceira produção de maior sucesso na Rússia, como recordou o jornalista Andrew L. Urban, um dos autores de 'Zelensky – O Herói Improvável', em entrevista à ‘The Mag’. Olena escrevia os guiões que eram interpretados pelo marido.
São inclusive estes anos que Olena recorda com saudade na entrevista à Vogue. "Os momentos mais relaxados nas nossas conversas vieram quando ela se lembrou dos anos antes da guerra e antes da presidência. Ir a um concerto da Adele em Lisboa. Conduzir com amigos para Cracóvia para ver o Maroon 5. Viajar para Barcelona durante um fim de semana. Ver filmes com a sua família", lê-se no texto.
Estes dias estão longe da realidade da família agora. Depois de pouco mais de um mês afastada do marido, Olena regressou para o complexo do palácio presidencial, mas manteve os filhos, Oleksandra, 18 anos, e Kyrylo, 9, protegidos, longe do pai, que é alvo número um da Rússia. "Ele está a passar por muito mais dificuldades. Ele sofre. E os meus filhos também sofrem, porque não se podem ver uns aos outros", confessou.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de cinco mil civis, segundo a ONU. Este número pode ser maior. Recentemente, o ministério dos Negócios Estrangeiros russo confirmou que os interesses no território do país vizinho são maiores do que os inicialmente anunciados.