Milhões, pressão e o drama da falta de tempo: as dores de cabeça de Ruben Amorim no Manchester United... onde não há mimos como no Sporting
O treinador português disse adeus ao Sporting, onde era amado e confiado por adeptos e jogadores, para começar uma nova etapa na sua carreira, naquele que tem sido um dos clubes mais difíceis para os treinadores que lá passam ao longo dos últimos anos. Será que Amorim irá conseguir evitar ser mais uma vítima do "cemitério" de Old Trafford?
Ruben Amorim está a viver o sonho de estar à frente de um dos maiores clubes do mundo, ao assinar pelo Manchester United, após um período de grande sucesso no Sporting, no qual devolveu os leões aos títulos nacionais quase duas décadas depois.
No entanto, o treinador português de 39 anos tem agora em mãos um desafio que não se cinge somente ao que se passa em campo, tendo de lidar com uma realidade cada vez mais complexa e com muitas variáveis que podem colocar em risco as ambições que delineou à chegada a Inglaterra.p
O Manchester United tem atravessado tempos conturbados desde 2013, altura da saída de cena de Sir Alex Ferguson, o lendário treinador escocês que já estava no cargo do clube inglês há quase três décadas e que foi responsável por uma época de ouro.
Desde Ferguson, inclusive, os 'red devils' não conseguiram conquistar qualquer campeonato, mesmo tendo contado com múltiplos treinadores – entre os quais José Mourinho – e dispendido mais de 1,6 mil milhões de euros em jogadores.
O PODER DOS MILHÕES E OS DONOS "DAQUILO" TUDO
Esta realidade fez com que a contestação dos adeptos tenha crescido de forma cada vez mais substancial em relação ao já falecido empresário norte-americano Malcolm Glazer (e aos seus filhos Avram, Malcolm e Joel, que também faziam parte do quotidiano do clube), que comprou o Manchester United em 2005, por 800 milhões de libras – com uma parte a ser absorvida pelo clube como dívida, algo que deixou os fãs melindrados logo desde o início.
A relação foi se deteriorando com o tempo, levando a múltiplos protestos, colocando os Glazers no lote das pessoas menos apreciadas pela massa adepta de Old Trafford, que há muito clamavam pela venda do clube a proprietários que manifestassem um maior nível de ambição e investimento.
Em 2022, foi anunciado que havia uma abertura para a venda, com o clube avaliado em mais de 4,5 mil milhões de euros, mas apesar do interesse do sheikh do Qatar, tal acabou por não se materializar.
Contudo, as esperanças dos fãs do United em que o clube voltasse a ser competitivo retomaram em dezembro do ano seguinte, quando se processou a venda, por 1,3 mil mihões de libras, de uma participação minoritária, mais concretamente 25%, a Jim Ratcliffe, CEO do grupo da indústria química INEOS – que já havia investido desportivamente no ciclismo e também no futebol, no Nice – tendo este assumido o controlo das operações desportivas, escolhendo Dan Ashworth e Omar Berrada (que já pertceneu ao conglomerado do Manchester City), para os lugares de diretor desportivo e CEO, respetivamente.
Apesar dos resultados periclitantes, Ratcliffe não se quis precipitar e demorou vários meses até tomar a decisão de despedir Erik ten Hag, treinador neerlandês que fora contratado na sequência de um excelente trabalho no Ajax, mas que nunca conseguiu devolver o Manchester United ao sucesso, apesar de ter comprovado conseguir obter balões de oxigénio quando este começava a escassear.
RUBEN, O ESCOLHIDO
A escolha recaiu sobre Ruben Amorim, que encaixa no perfil de treinador jovem, ambicioso e que já demonstrou conseguir potenciar o talento dos jogadores à sua disposição, assim como inverter ciclos negativos. Contudo, o ex-técnico sportinguista tem um grande desafio pela frente para conseguir trazer um aproveitamento que se coadune com as afirmações do dono dos 'red devils'.
Isto porque, quando Ratcliffe chegou a Old Trafford, estabeleceu como grande objetivo de médio-longo prazo ultrapassar Manchester City (a onde chegará em breve Hugo Viana, grande amigo de Ruben Amorim) e Liverpool, não só competidores mas também rivais de longa data – a estes acrescem ainda Arsenal e Chelsea, clubes de Londres que estão atualmente num patamar competitivo acima. Como refere um recente artigo do 'Independent', "o intervalo entre ambição e realidade cresceu em vez de diminuir" ao longo de 2024.
Enquanto primeira opção desta nova era do Manchester United, Ruben Amorim terá um grande peso em cima dos seus ombros, e terá de o fazer desde um ponto de partida inferior em várias dimensões aos competidores diretos. Tal como, aliás, fez em Alvalade, mas, desta feita, num contexto ainda mais desafiante, dado o poderio financeiro dos grandes clubes ingleses e as dúvidas que subsistem acerca da qualidade do seu próprio plantel em comparação com os rivais. O aviso, aliás, está dado.
"Na Ineos, não temos problemas com as pessoas cometerem erros, mas que se assegurem de não os cometer uma segunda vez", chegou a dizer Ratcliffe. A isto, acrescenta-se o facto de Amorim advir de um contexto de campeonato português, com a falta de experiência nas grandes ligas a poder constituir um fator de desconfiança caso os bons resultados tardem a chegar.
Resta saber se existirá tempo e espaço para que consiga construir as bases para o sucesso, ainda que, em abono da verdade, a calma e confiança no seu próprio projeto sempre fizeram parte da imagem de marca do lisboeta, mesmo durante os tempos pais complicados em Alvalade.
Até, por isso, tem feito questão de recorrer ao charme que é já bem conhecido dos portugueses nas muitas entrevistas e declarações públicas que fez logo nas primeiras semanas enquanto treinador do Manchester United, até porque o rendimento inicial, no que diz respeito ao que se passa dentro das quatro linhas (até porque o clube se encontra atualmente em 13.º lugar no campeonato), não se afigurou uma alteração radical em relação ao passado recente, tendo o jovem timoneiro considerado desde logo imperativo insistir que os adeptos confiem que os frutos deste processo irão chegar.