'
THE MAG - THE WEEKLY MAGAZINE BY FLASH!

Herói da pandemia está preso a uma cama. A luta do médico Gustavo Carona, impedido de exercer, que vive confinado à sua dor: "Tornei-me praticamente num vegetal"

Muitos vão recordá-lo para sempre como um dos anjos da pandemia, sempre disposto a ir para a linha da frente e pôr o seu conhecimento de medicina ao serviço da população. Hoje, o intensivista Gustavo Carona vive, no entanto, uma situação bem diferente, com a doença crónica de que sofre a provocar-lhe dor 24 horas por dia. Um calvário que, admite, só tem aguentado para não causar mais sofrimento à mãe e à irmã.
09 de janeiro de 2025 às 20:20
Gustavo Carona
Gustavo Carona

O nome diz muito aos portugueses. Numa altura particularmente sensível, em que vivíamos confinados, com medo do desconhecido e a consumir avidamente informações sobre a Covid-19, Gustavo Carona tornou-se num dos rostos mais visíveis da luta contra a doença. Médico na linha da frente, ajudou a salvar dezenas de vidas, a compreender melhor o inimigo contra o qual se lutava e foi precisamente quando a pandemia começava a abrandar que o seu corpo cedeu.

Começou com umas dores ciáticas e uma tristeza que não compreendia. O primeiro diagnóstico foi de burnout, mas rapidamente Gustavo percebeu que era mais do que isso, Com a dor a agravar-se e a tornar-se permanente, rapidamente o médico percebeu que estava a braços com uma doença grave, crónica, incurável, que lhe provoca dor neuropática permanente, o que quer dizer que, na maior parte do tempo, Gustavo Carona vive confinado ao seu quarto e a uma cama.

Foi deitado na mesma que recebeu Júlia Pinheiro em sua casa para falar da sua batalha. Ele que está habituado a cenários de catástrofe, devido às muitas missões humanitárias, nunca se prepararia para aquilo que a vida lhe acabaria por reservar, e que o impede de exercer a profissão de médico.

"são diferentes camadas de luto. Quando eu saio do hospital, nunca chorei tanto na minha vida, mas eu tinha tanta dor que nao conseguia continuar. Enterrar a minha prática clínica foi duríssimo, depois foi enterrar a minha capacidade de socializar, depois foi enterrar a minha capacidade de querer viver", contou em conversa com a apresentadora da SIC para de seguida partilhar que o processo de viver com dor permanente tem sido tão duro que já pensou várias vezes em pôr termo à vida.

"Em finais de 2023 tive várias crises de dor que me levaram a ter de assumir que estava muito perto do risco de suicídio e foi a maior pancada que eu levei na minha vida. Mas pedi sempre ajuda quando estive perto de o fazer. Mas se não fosse pelo amor à minha mãe e minha irmã, se não fosse sentir-me egoísta hoje não estava aqui. Acho que temos que andar aqui para sermos felizes e carregar uma cruz não me parece ser um objetivo de vida. Quando o nosso corpo é o nosso inimigo é desesperante. Uma doença em agravamento cada vez a tirar-nos cada vez mais a capacidade de sorrir e ter momentos de felicidade é ingerível. Só me segurei porque achei que iria matar a minha mãe e a minha irmã se o fizesse."

Entre 2023 e no decorrer do ano passado, Gustavo Carona passou pelos momentos mais difíceis, ao ponto de sua vida cheia, em que mal tinha tempo para parar, já pouco restava.

"Tive um ano em que praticamente fui vegetal, no sentido em que tinha tanta dor que nem conseguia raciocionar. Felizmente, há três meses fiz uma cirurgia que me permitiu respirar. Estou muito longe de estar bem. Eu costumo dizer que passei do desesperado ao péssimo e quando assim é o péssimo parece bom, mas o péssimo continua a ser péssimo. Ainda tenho muitas dificuldades em gerir a minha capacidade de viver, mas consigo respirar. O mais difícil é conseguir viver com dor 24 horas por dia."

Enquanto médico, Gonçalo não se ilude: sabe exatamente aquilo que a doença lhe reserva e isso torna-se na parte mais difícil de gerir, porque o conhecimento em excesso acaba por impactar diretamente a capacidade de encarar a situação clínica.

"Para mim que sou médico não é fácil acreditar, porque eu sei que há muitas doenças que não têm cura e que não são compreendidas."

Apesar de continuar a dedicar-se a causas humanitárias através da sua conta de Instagram, Gonçalo admite que não é fácil estar afastado daquilo que gosta realmente de fazer: mudar vidas no terreno.

"É agridoce dedicar-me ao meu sonho humanitário porque todos os dias estou a abrir uma ferida muito dolorosa, do que eu queria ser e já não sou: médico no sentido clínico".

você vai gostar de...


Subscrever Subscreva a newsletter e receba diariamente todas as noticias de forma confortável