
Não houve amor à primeira vista entre os portugueses e a canção que conquistou a Europa. Pelo menos para os espectadores da RTP1 que, em Março, viram o Festival da Canção e decidiram votar por telefone, a melhor música era outra. O tema Nova Glória, dos Viva la Diva, ficará para sempre com a duvidosa fama de ter relegado Amar pelos Dois para segundo lugar no voto popular.
O público que se manifesta por telemóvel durante os directos não tem sempre razão – algo que deve ser uma lição importante para os formatos televisivos de talentos. Na verdade, sem a votação do júri, o novo herói nacional não teria, sequer, ido a Kiev, e o País não teria encontrado o hino perfeito para os novos tempos. Parece uma contradição, mas não é: com uma canção melancólica, Salvador Sobral transformou-se na voz do optimismo que os portugueses têm vivido nos anos mais recentes.
Um optimismo que associa a vitória no eurofestival ao título europeu de futebol e ao crescimento económico, tudo sintetizado, genericamente, no que é designado como um "bom momento" para Portugal. Trata-se de um casamento inesperado entre um povo, que redescobriu o orgulho de ser português, e um jovem, simples e sem complexos, que critica os telemóveis e as armas tecnológicas, amante de jazz e com a postura de anti-herói.
Salvador é a estrela da próxima geração: despojado, assume a desconstrução das mensagens artificiais em nome da pureza do conteúdo, sem se render aos mecanismos de poder subsidiários das redes sociais, que, aliás, abomina, e que, mesmo assim, o glorificaram. Notável!