
I
Só respirava em dias de sol.
Não era poesia: era doença.
Aquele homem só respirava ao sol: a enfermidade, diagnosticada precocemente e para a qual não havia denominação (muito menos cura), obrigava-o a viajar de cidade para cidade, de país para país, à procura do astro-rei. Aguentava, no máximo, dez horas sem ter o sol a bater directamente em si – e nenhuma máquina (tentou-se solário, tentou-se sprays bronzeadores, lâmpadas artificiais das mais diversas espécies e proveniências) o substituía.
Não era dependência: era sobrevivência.
Quis o destino que, certo dia, numa das muitas viagens que fazia, se cruzasse no aeroporto com uma jovem mulher, por quem se apaixonou, que tinha uma doença peculiar: só respirava em dias cinzentos.
Não era ironia: era pedagogia.
A solução encontrada foi simples: namoravam entre viagens, em períodos (e locais) de transição: aeroportos, estações, centrais de camionagem. Assim casaram, assim foram vivendo juntos, aproveitando cada momento de transição como se fosse um momento de paixão.
Não era uma bênção: era uma decisão.
Quando ela engravidou, desde logo a questão se colocou: com quem irá viver a criança? Preferirá viver ao sol ou à chuva?
Sinceramente ainda não decidi.
II
Titan disse: saltar é o voo dos pobres.
Ritha disse: comprar é o amor dos ricos.
Ambos se assustaram quando ouviram o alarme da loja de roupa, de onde estavam a sair, a tocar.
"Até saltaram de medo", disse quem os viu.
III
Eram tecnofreaks. Chamaram iVone à filha.
IV
Titan aspirava o seu lixo com a boca: "o que é meu é meu, mesmo que seja lixo".
Ritha não se incomodava com isso, ao contrário do médico que teve de o operar de urgência, com complicações intestinais, várias vezes.
V
iVone era uma criança viciada em dados. Estava sempre a atirá-los e levava-os para todo o lado. Era, no fundo, como toda a gente da família: não sabia viver sem dados móveis.
VI
Titan e Ritha tinham a mesma preferência sexual: ela de quatro, ele por trás. Era, efectivamente, a única posição em que ambos podiam ver-se, enquanto se possuíam, no espelho gigante que tinham na cabeceira da cama.
VII
Ao olhar pela primeira vez para a nova babysitter de iVone, Titan sentiu a respiração, subitamente, a faltar. "Tem calma. Já passou", descansou-o Ritha, já depois de tapar a pequena frincha de luz que queria entrar pelas frinchas da persiana.
Nação: s.f. Espaço delimitado por aquilo que sentes; só o que amas, mesmo que não o seja fisicamente, é teu.