
- Ensinar a amar faz-se amando. Quando tiver um filho vou ensinar-lhe tudo sem nunca lhe ensinar nada. Vou fazer. Vou ser. Ele depois escolherá o que quer aprender. O grande professor não ensina nada: dá a escolher. Pensar é acima de tudo escolher, e viver também.
- O amor é a melhor lição, a lição suprema?
- O amor nada tem para ensinar. Alguém que amou durante cinquenta anos não sabe nada sobre o amor tal como alguém que nunca amou não sabe nada sobre o amor. O que sabemos é sobre a pessoa que amamos. Mas o amor não é a pessoa que amamos. Quando dizemos és o meu amor não sabemos o que estamos a dizer. Quando dizemos és o meu amor o que estamos, na verdade, a dizer é que aquela pessoa é a representação de algo que ocupa o espaço que destino em mim a amar. Mas não é ela o meu amor.
- Quem é?
- O meu amor sou eu. Não no sentido da auto-estima ou da auto-apreciação ou do amor próprio. Não. O meu amor sou eu porque é em mim, em Eu, que se localiza o meu amor. E é esse espaço, essa residência, que é depois ocupado por aquela pessoa a quem chamo amor. Mas essa pessoa não é o meu amor: representa o meu amor. Está lá, onde o amor deve estar. Mas eu também estou lá, onde o amor deve estar.
- Somos sempre bígamos: alugamos o amor, o espaço do amor, a um residente. E vamos vivendo, nós e eles, nesse mesmo recanto. Somos ambos o meu amor. O amor é a residência para onde trago quem amo. Somos criaturas de dois amores só. É essa a maior fidelidade possível.
- Somos criaturas da nossa criatura só. Criamo-nos em absoluta solidão. O que crescemos é sempre solitário, e mesmo assim vem dos outros. Precisamos dos outros para alimentar a densidade da nossa solidão: para a nossa solidão saber melhor. Alguém incapaz de estar sozinho é alguém profundamente sozinho.
- Amar é um acto de egoísmo.
- Amar é um acto de amor, e o amor, por muito que isto custe a engolir, é o mais profundo estádio de egoísmo humano. Amamos para nos sentirmos plenos. Amamos em nome de nós. E depois, porventura, podemos até executar actos de um altruísmo heroico inigualável. Alguém que dá a sua vida para que outra pessoa possa viver é alguém profundamente apaixonado por si mesmo, tão apaixonado por si mesmo que acredita que a melhor maneira de alimentar em absoluto o amor que sente é abdicar da parte física do amor que sente.
- Amar o outro é sempre um acto de dádiva.
- E no entanto não deixa de ser sempre um acto de puro oportunismo. Dou-me para me receber melhor: para me amar melhor. Aproveito-te para me querer melhor. Amo-te para me amar melhor: para o meu amor, em mim, ser mais longe, ser mais amor.
- Amas-me para te amares melhor?
- Sim, lamento.
- Foi a declaração mais fria e mais linda que ouvi em toda a minha vida.
- Amas-me pelo mesmo motivo?
- Sem tirar nem pôr. Amo-te para me amar melhor.
- Somos o casal mais frio e mais lindo que conheço. Temos tanto de amorosos como de diabólicos.
- Eis o amor.
- Mas já chega da parte amorosa. Vamos à diabólica?
- Estava a ver que não.
Modelo: s.m. O mesmo que fraude. Amamos o que imaginamos que o outro poderia ser e depois tentamo-lo encaixar no meio dessa criação que imaginámos. A desilusão é, assim, uma auto-criação: uma criatura que geramos e alimentamos sem necessitarmos da ajuda de ninguém. Amar não é mudarmos o nosso modelo para amarmos quem amamos; amar é amarmos quem amamos – e ser esse o nosso modelo de amor.