
Ficou de ti aquilo que sou.
Um amor muda-nos mesmo que acabe.
Ou sobretudo quando acaba.
Não sei o que nos faltou, mas sei que fomos tudo. Ainda seríamos, não fosse a merda do orgulho a colocar-se entre nós.
O orgulho é um divórcio a caminho, e há tanto quem não ame por falta de orgulho.
Há dois tipos de orgulho: o que nos faz sermos pessoas; e o que nos impede de sermos pessoas.
O nosso começou por ser um, passou a ser outro e acabou por nos acabar com a soma de ambos.
Sou aquilo que me deixaste ser. Sou aquilo que deixas de ti em mim sempre que me lembro de que exististe no que fui.
O amor é o que existe em nós por mais que deixe de existir.
Quiseste o que eu não queria, eu quis o que tu não querias. E mesmo querendo-nos tanto os dois acabámos por querer, que estupidez, deixar de nos querermos juntos.
Só a falta de amor pode terminar um amor, que nunca ninguém esqueça isto, — especialmente eu, e se puder ser tu também.
O resto são mentiras.
Esta mentira que sou quando te procuro na fotografia na estante, ou quando te encontro sempre que fecho os olhos.
Amo-te para além de mim.
Amo-te contra mim.
Nenhuma pessoa contraria um amor, por mais que cada pessoa consiga impedi-lo de acontecer.
Nenhum amor precisa de acontecer para efectivamente acontecer.
O amor acontece apesar de quem o sente, é uma força independente, uma vida sem regras.
O amor é um fora-da-lei dentro de nós.
Ficou de ti aquilo que sou.
Não sou mais nem menos do que aquilo que deixaste ser, que deixaste por aqui, para me ir compondo do que me descompôs inteiro.
Vou sobrevivendo, entre um copo de vinho e um sonho perdido, entre uma vontade incontrolável de te telefonar e uma vontade incontrolável de te ir buscar de volta para aqui, para esta casa de onde nunca saíste por mais que aqui não estejas há anos.
Já foste há quase uma década e ainda é contigo que vivo.
Quando te apetecer volta e traz o resto de mim contigo.
Estou com saudades de mim, confesso.
Mas muitas mais de ti.
Até já.
Reflexão: s.f.: Movimento que, apesar de invisível, torna visível o que nos separa dos demais. Reflectir exige cabeça; mas exige muito mais amor.