
Esqueceu-se de não a beijar.
Foi assim que tudo começou, naquilo que, um dia, mais tarde, haveria de ser recordado como o esquecimento mais feliz da história do mundo.
Esqueceu-se de não a beijar.
Muitos dos amores acontecem por esquecimento — porque alguém, por um acaso qualquer, não fez o que deveria fazer e acabou por ir parar onde não devia e acabou a sentir o que não devia.
O amor é um acaso, um acidente que dá certo mesmo quando dá errado.
O amor está sempre certo, certo?
Adiante: já não a via há mais de sete ou oito anos quando a encontrou a sair do quiosque do aeroporto. Era a mesma mulher de sempre, era a mesma mulher da sua vida de sempre. E isso bastou-lhe.
Basta ser a mulher da nossa vida para tudo estar sabido.
E por isso não soube olhar para o lado e ver o marido. E por isso não soube olhar para o outro lado e ver o filho.
O amor cega e faz ver em doses iguais. O que tira de visão exterior traz em visão interior. O amor é então uma doença curativa, digamos: uma anulação da medicina. Ama-se o que nos impede de ver melhor e o que ao mesmo tempo nos faz ver o que nunca tínhamos visto antes.
O amor é sempre o que nunca tínhamos visto antes.
Esqueceu-se de não a beijar.
E deu-se o acaso, mais um, de ela ter tido, naquela mesma hora, aquele mesmo esquecimento.
Quem os viu terá visto, foram esses alguns dos comentários, o amor perfeito. Quem os viu terá visto um casal apaixonado, a quem o futuro reservaria toda a felicidade do mundo. Quem os viu terá ficado convencido de que aquele homem era o homem daquela mulher. Quem os viu terá ficado convencido de que aquela mulher era a mulher daquele homem. Quem os viu não terá tido dúvidas de que aqueles dois tinham nascido um para o outro.
Felizmente ou não, o marido dela também os viu.
Redoma: s.f.: Diferença entre o suportável e o insuportável: só não se suporta o que não consegues trazer para o espaço onde tudo se adapta em ti. O amor é emoção, sim; mas é sobretudo adaptação.